Faz dois dias que ele está doente. De novo.
Há quinze dias atrás, já tomou um remédio fortíssimo para uma suposta sinusite. Agora, aparentemente, a grande vilã é a garganta. Ele encolhe o pescoço e faz uma careta sempre que tem que engolir alguma coisa.
O processo que tem acontecido na madrugada é cansativo: cada vez que ele se mexe na cama, ela toca sua testa e seu pescoço para checar a temperatura. Também aproveita para ver se ele está bem coberto. Afinal, está frio, e ele dorme apenas com um pijama fino de mangas compridas. Meia? Jamais permitiu que ela ficasse no pé sem o sapato.
E, nesse ritmo, ela não sabe dizer quantas vezes acordou nas últimas noites. Ele geme…será que é um pesadelo? Será que a febre voltou? O que será que ele tem?
Tentou, de várias formas, fazê-lo mostrar, no dia anterior, onde era a dor. “Mostra pra mamãe onde dói, põe a mãozinha. É na garganta?”. Mas ele parecia não entender a intenção desse pedido ou, simplesmente, não soube como dar uma resposta adequada.
E a terceira noite chega. O mesmo processo se repete. E, em uma das vezes em que ele se mexe, começa a tossir. Uma tosse forte, insistente. Ela dá pequenos tapas em suas costas para, ao menos, sentir que faz algo a respeito. E a tosse põe pra fora o que havia no estômago. E ele vomita muito, tudo. Ela o ampara e fala, tentando parecer calma: “mamãe está aqui. Vai passar”.
E, enquanto o segura, sente que ele está ardendo em febre novamente. E, nesse momento, vem aquele pensamento que ela sempre afasta…o sentimento terrível do que aconteceria se, por um acaso, aquele menino lhe fosse tirado. Se ela o perdesse para alguma enfermidade ou acidente da vida. E a dor é indescritível. O chão simplesmente some se essa possibilidade passa pelo lado de fora da porta. O teto desaba. A vida acaba. Porque perder esse garotinho é perder a alegria, a vida, os sonhos.
Passado o pequeno momento de pânico, ela respira fundo e se convence de que tudo vai dar certo.
Dessa noite e desses sentimentos tão perturbadores, ela tira algumas certezas. A primeira é que muitos dias são difíceis, e a paciência de uma mãe ou pai com uma criança autista não é infinita. O desânimo, muitas vezes, toma conta. E pode-se, nesses dias, questionar o próprio amor sentido. Mas, sob a perspectiva de perda definitiva, tudo se clareia: ela ama esse menino acima de tudo, muito mais do que pode mensurar, muito mais do que imaginou, um dia, amar alguém.
A segunda é que o autismo não é uma tragédia. Seu filho está ali, ao seu lado. Vivo. Uma ida ao pediatra e algumas medicações e, logo, ele vai estar pulando no sofá novamente. Tragédia é perder um filho. E, com ele, a alegria, a vida, os sonhos.
Tragédia, também, é chorar, o resto da vida, a perda do filho idealizado, sem perceber que há um filho real, vivo, sedento de afeto e cheio de sonhos no quarto ao lado.
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Foto: Shutterstock
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