Comecei esse blog em Janeiro de 2012. Desde então, falei com centenas de mães. E uma coisa bem comum é a mãe que não sabe exatamente o tratamento que o filho está fazendo. Muitas me dizem que o filho “faz tratamento com psicóloga”, mas não sabem me dizer a linha ou que tipo de tratamento é esse.
Se você se enquadra nessa descrição, gostaria de te pedir para se informar melhor. Porque, se essa psicóloga que está “tratando” o seu filho é adepta da Psicanálise, você está perdendo tempo e dinheiro. E, nesse texto, eu vou explicar o porquê.
Culpar a mãe não é coisa nova. Na verdade, culpar a mulher não é. Que o digam as milhares de mulheres que foram mortas na Idade Média, acusadas de bruxaria, nas fogueiras da Inquisição.
No séc XIX, Sigmund Freud (o pai da Psicanálise) divulgou a teoria de que as experiências no início da vida da criança poderiam causar distúrbios no desenvolvimento. E a figura central dessa idéia é, claro, a mãe.
E, aqui, começa a aparecer a ligação disso tudo com o autismo. Apesar de, provavelmente, esse transtorno sempre ter existido, só foi inicialmente descrito no século XX, quando foi considerado como “retardo mental” ou “psicose infantil”.
Nos anos 40, uma nova hipótese ganhou força com o psiquiatra Leo Kanner. Em uma releitura freudiana, ele colocou a culpa do autismo no que ele chamou de “mães geladeira”. Em uma entrevista para a Time Magazine, em 1960, ele as descreveu como “somente capazes de descongelar o suficiente para produzir uma criança”.
Leo Kanner tirou essa brilhante conclusão, dentre outras coisas, por observar a dificuldade que as mães de crianças autistas tinham em brincar com seus filhos. O que era a consequência, virou causa. As mães tinham dificuldades de brincar com os filhos PORQUE eles eram autistas, e não “as crianças se tornaram autistas porque as mães não sabiam brincar com elas”!
Mas essa ideia ainda foi reforçada e popularizada, posteriormente, pelo psicólogo Bruno Bettelheim. Em seus artigos, escritos nos anos 50 e 60, ele afirmava categoricamente que o autismo era causado pela frieza da mãe em relação à criança.
Outro papa da Psicanálise, nos anos 60, mudou o nome de “mãe geladeira” para “mãe crocodilo”, mas a definição continuou a mesma. Lacan descreveu crianças autistas como “vítimas da alienação de uma mãe psicogênica que é incapaz de se separar de uma criança que é um substituto para o pênis que ela nasceu sem”.
Depois disso tudo, talvez não seja necessário, mas vou enumerar alguns motivos pelos quais essa teoria não tem pé nem cabeça:
O que todos – Kanner, Bettelheim e Lacan – pareciam ignorar é que essas mesmas “mães geladeira” produziam filhos autistas e neurotípicos!
Autismo não é uma psicose! É genético! Há vários genes (e mutações) ligados ao autismo. Se quiser ler mais sobre isso, clique aqui
Muitas crianças, inclusive, já apresentam sintomas desde bebês, o que descarta, por completo, a questão da influência da mãe (ou do pai).
Não adianta ignorar as descobertas da neurociência: o cérebro dos autistas é diferente! Você pode ler aqui como as crianças autistas possuem muito mais neurônios no córtex frontal.
A base da psicanálise é o “falar para curar”. A pessoa fala sobre o comportamento que a incomoda, o psicanalista analisa as possíveis causas ocultas disso e a pessoa consegue mudar o comportamento através dessa consciência. Mas como – e em que mundo – uma criança autista de 3 anos, não verbal, vai se “sarar” dessa forma??
Na França, país extremamente ligado à psicanálise, a situação dos autistas é muito, muito precária:
Há 17 vezes mais estudantes autistas nas universidades do Reino Unido que na França.
A taxa de inclusão escolar de crianças autistas na França é de 20%, versus 60% de outros países desenvolvidos.
Há pais “fugindo” da França e indo para a Bélgica procurando tratamento melhor para seus filhos autistas. Leia mais aqui.
O documentário “The Wall” denunciou esse tratamento de orientação psicanalítica dado aos autistas franceses e foi censurado! Você pode ver o filme aqui.
Após isso, houve uma resolução recomendando técnicas comportamentais e pedagógicas para tratar o autismo ao invés da Psicanálise. Leia mais aqui.
No Brasil, também há os adeptos dessa teoria arcaica. Quem, aqui, quando desconfiou de algo errado no desenvolvimento do filho, não ouviu do pediatra que isso poderia ser “falta de estímulo”? Muita tv ou dvd?
Conheço mães que perderam 3, 5, até 9 anos jogando dinheiro fora sem nenhum progresso por causa disso. Crianças com um baita potencial estão “encostadas”, sendo tratadas como nos anos 50!
Percebendo a grande rejeição à antiga teoria da mãe geladeira, os psicanalistas mais modernos têm moldado melhor o discurso. Baseiam-se nos famosos “fatores ambientais” que servem de gatilho para o autismo para encaixar, aí, suas hipóteses. “Mãe geladeira é coisa antiga”. E segue-se uma longa explicação que termina exatamente no mesmo ponto: a relação mãe-bebê.
O discurso é remendado, requentado, mas a essência permanece.
Sendo bem prática: o cobertor é curto. A maioria dos pais paga, do próprio bolso, as terapias para os filhos. E você, pai ou mãe, precisa focar os recursos no que comprovadamente funciona, não é?! Basta jogar no Google para ver quantos papers científicos há sobre “terapia cognitivo comportamental e autismo” e sobre “psicanálise e autismo”. Tire suas próprias conclusões.
Imagem: Shutterstock
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