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Mães e o apoio mútuo

mães e o apoio mútuo

Mulher está sempre fazendo coisa errada.

Quando a gente é pequena, vira e mexe escuta “menina, não senta com as pernas abertas porque é feio”. Ou então “não ria alto assim porque é vulgar”.

Se usa saia comprida é carola. Se usa saia curta é puta. Se é estuprada, com certeza, estava no lugar errado, na hora errada, bebendo a coisa errada ou usando a roupa errada.

Se não trabalha fora é “madame que quer ser sustentada pelo marido”. Se trabalha muito e sobe na carreira é uma mãe ruim. Se não quer ter filhos é egoísta. Se tem muito rápido é inconsequente. Se é abandonada pelo marido é porque não soube segurá-lo. Se não consegue amamentar é porque não tentou o suficiente.

Se o filho demora a falar, segundo o pediatra, é porque a mãe não o estimulou adequadamente. Se descobre que o filho é autista, ainda vai achar alguns psicólogos da era das cavernas pra falar que é porque não se esforçou o suficiente pra criar vínculo com ele.

Muita bagagem cultural injusta. Muita cultura machista imposta desde que somos pequenininhas.

Culpa, culpa. Como eu ouvi de algumas pessoas, entre risos, quando eu era adolescente: “o homem pode não saber porque está batendo, mas a mulher, com certeza, sabe porque está apanhando”.

Outra história da carochinha que vem com essa bagagem é a tal rivalidade feminina. Escutamos, desde pequenas, que mulher não é bicho confiável. Que mulher briga, que uma passa a perna na outra. Ai, que medo a gente desenvolve das nossas pares. Aqui já vai um spoiler: existem pessoas ruins. Pessoas não confiáveis. Pessoas que passam a perna. Isso não é nem nunca foi exclusividade do sexo feminino.

Pois bem. Estou aqui pra falar que, do alto dos meus (quase) 40 anos, estou chegando à conclusão que mulher é, muito pelo contrário, um bicho porreta! Por tudo isso aí em cima que a gente aguenta desde pequenas e muito mais.

Peguemos o caso do diagnóstico de um filho com alguma deficiência. Existe coisa mais linda que a rede de apoio formada pelas mães? E, antes que alguém venha me perguntar “cadê os pais nessa história”, isso é outro assunto e nem vou entrar no mérito da questão. Estou aqui para falar das mães. 🙂

Assim que tive o diagnóstico do Theo, me joguei na internet desesperada atrás de informação. A primeira coisa que achei foi um grupo no Yahoo Groups chamado “Asperger”. Eu nem achava que o Theo era Asperger, mas aquilo era o que eu tinha de mais próximo para acessar. E foi ali que conheci a Renata Oda. Ela foi a primeira mãe com quem troquei figurinhas, comparei sintomas, comparei históricos.

Em algum momento, caí em outro grupo. E, ali, conheci a Gislaine Thomal. Descobrimos que trabalhávamos perto e combinamos um almoço. Acabei apresentando a Renata para a Gislaine, trocamos vários pitacos sobre as terapias dos respectivos filhos, desabafamos muito. E, através da Gislaine, conheci outras mães que me ajudaram tanto!

Descobri que éramos muitas. Aprendi com elas mais do que com qualquer médico. Inspirei-me a ajudar os outros como a Tatiana faz. E fui adquirindo, aos poucos, serenidade com relação ao futuro com a Haydée, que já tem um filho adulto com autismo.

E aí veio o blog. E mães começaram a me seguir e a interagir. E fui conhecendo tanta gente maravilhosa que fica difícil citar uma sem esquecer outra e ser injusta. Fiz amigas de verdade via redes sociais. Amigas pra chorar junto, pra desabafar. Amigas prontas pra ouvir um mimimi a qualquer hora do dia, prontas para dar uma sugestão ou uma solução para o problema pelo qual eu estava passando. Amigas pra me mostrar outro ponto de vista, outro ângulo do autismo, outra abordagem que eu nem sabia que poderia fazer sentido. Amigas que se ajudam do jeito que der: uma palavra de conforto, uma vaquinha, uma visita, um áudio emocionado no whastapp.

Somos fortes. A vida nos exige isso. Somos mais fortes quando juntas. Quando uma fraqueja, há 10 mãos para ajudar a sustentá-la.

Ah, essa mulherada! Cada culpa jogada, cada dedo apontado vira um quadradinho da colcha de retalhos que a gente costura, diariamente, para acolher uma à outra nos invernos da vida. Nenhum estranhamento ou divergência vai ser superior a isso. Nenhuma lenda urbana sobre as  “mulheres traiçoeiras” vai apagar o brilho dessa rede de apoio tão linda e fundamental na nossa caminhada.  

Imagem: Shutterstock

(Os conteúdos produzidos por Andrea Werner e disponibilizados neste site são protegidos por copyright e não podem ser reproduzidos, total ou parcialmente, sem autorização expressa da autora, mesmo citando a fonte)

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