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A chance de ter outro filho autista

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Ter um filho é uma decisão muito séria. Ter um filho quando já se tem outro com uma condição grave, de fundo genético como o autismo, é mais sério ainda. Uma pesquisa conduzida pela Autism Speaks em 2011 mostrou que o risco de se ter um segundo filho autista é de 20% (25% se o segundo bebê for menino e 11% se for menina). Parece pouco, mas é muito quando comparado ao 1% de chance da população geral.

Mas como devemos olhar pra esse número? A pesquisa foi feita monitorando 664 bebês cujos irmãos ou irmãs mais velhas já eram diagnosticados com autismo. A média de reincidência deu 20%. Mas esse número é bem geral. Se a sua família tem mais casos de autismo ou condições psiquiátricas como Transtorno Bipolar e Esquizofrenia, o seu risco é maior, já que há mutações genéticas relacionadas entre esses transtornos.

Para que serve uma estatística? Para termos uma base. Uma pequena noção do terreno onde estamos pisando. Ao mesmo tempo, quando penso que o Theo, teoricamente, tinha 1% de chances de ser autista e ele é, isso não adianta muita coisa.

Há muito tempo atrás, uma pessoa me disse que “ter filho é decisão emocional, e não racional”. Porque “se formos sentar, analisar, fazer contas, colocar prós, contras e riscos no papel, jamais teremos filhos”. Eu acredito muito nisso. Os benefícios de se ter filhos são muito mais emocionais do que palpáveis.

Tendo dito isto, ter um segundo filho, quando já há um autista, continua sendo uma decisão mais emocional que racional. A vontade de gerar outra vida não é necessariamente a mola propulsora de tudo. Em geral, o objetivo é não deixar o filho autista – que, provavelmente, não será uma pessoa independente – sozinho no mundo. O problema dessa decisão tão séria é que ela tem 2 resultados possíveis:

1) Nasce uma criança típica, que poderá ou não cuidar do irmão ou irmã autista no futuro (a gente sempre espera que ele ou ela opte pelo sim, mas não há 100% de garantia);

2) Nasce outra criança autista. Talvez, com um grau de comprometimento maior que o primeiro filho. E, aí, os pais passam a se preocupar com os 2 filhos que deixarão no mundo sem a tão sonhada independência.

Recebi dezenas de emails após o meu apelo para que os pais relatassem a vinda de um segundo filho após o diagnóstico de autismo do primeiro. Algumas coisas são unânimes: todas as mães afirmam que os primeiros dois anos do novo bebê são de muita ansiedade, “vendo pelo em ovo”, com a sombra da manifestação do autismo a rondar. E que o filho ou filha autista se desenvolveu muito com a chegada do irmão ou irmã (autista ou não). 

Quanto às que tiveram um segundo filho ou filha autista, a dor é enorme, o trabalho é dobrado, pensar em como vai pagar as terapias é desesperador, e uma até me disse que, se soubesse da possibilidade antes, não teria engravidado de novo. Mas a vida segue e todo mundo vai sobrevivendo de acordo com sua bagagem de resiliência e otimismo – que são características pessoais e intransferíveis – e devido à rede de suporte que conseguiu montar.

Portanto, não vou dar conselho pra ninguém quanto a qual decisão tomar. Essa responsabilidade é de cada um. Só deixo aqui algumas coisinhas pra pensar:

  1. A decisão é DO CASAL. Ponto. Os dois devem estar cientes dos riscos e ter a disposição de arcar com eles.

  2. Uma vez tomada a decisão, não tem como voltar atrás. Pense, pense, e pense de novo.

  3. Se você decidiu ter, foque no positivo: pense que a maior chance ainda é de não vir autista. E que a medicina tem evoluído muito. O que será que vamos ter de muito bom em medicação daqui a 10 anos?

  4. Leia e informe-se sobre fatores ambientais de risco para autismo na gestação. Não custa tomar cuidados extras.

  5. A adoção é sempre uma opção, mas é uma decisão tão séria quanto a gravidez em si: deve ser muito bem digerida e decidida.

Importante: questione-se. Por que você quer tanto ter outro filho? E se for para estimular/cuidar do irmão autista e vier outro autista? Tenho visto de tudo no nosso “mundinho azul”. Inclusive filhos que vieram para estimular à mãe, e não ao irmão. Mães que “encostam” o filho autista depois que, finalmente, podem se realizar com o filho típico. Crianças autistas regredindo com a chegada do irmãozinho ou irmãzinha porque se sentem rejeitadas. E aquilo que ninguém fala: crianças típicas com irmãos autistas, muitas vezes, é que precisam de terapia para aprender a lidar com o fato de que, invariavelmente, não terão a mesma atenção dos pais. Você está preparado/a para lidar com isso tudo?

E, por último: resolveu ter outro filho? Veio uma criança típica, estão todos felizes, você considera isso a melhor coisa que poderia ter feito? Ótimo. Dê a sua opinião a respeito quando ela for solicitada. Mas nunca, NUNCA tente influenciar uma amiga a fazer igual. Os resultados na casa dela podem não ser os mesmos e quem vai ter que lidar com isso, depois, é ela.

Aqui vão pedaços de alguns depoimentos pra vocês. Agradeço muito a todo mundo que tomou seu tempo pra me mandar os emails! Não vou ter nem como responder todos, mas garanto que li cada um com muito carinho!

“Aqui em casa um segundo filho trouxe uma experiência nova, o Lamarck trouxe leveza à nossa vida e à vida do Miguel (autista), nos mostrou que algumas vezes o Miguel está só sendo criança, que não podemos jogar tudo na conta do autismo. ” (Juliana Gualberto)

“Vitor já compreende que seu irmão não consegue falar, então ele acaba cuidando do irmão, e ajudando no convívio com outras crianças e outros adultos que ainda não conseguem compreender suas atitudes. Recentemente estávamos num parquinho e um “amiguinho” foi conversar com o Vini e convidá-lo para brincar no escorrega, o Vitor que estava próximo ouviu e disse: “este é o Vini meu irmão, ele ainda não fala, mas ele gosta de escorregar” e foram os três brincar no escorrega.” (Pati Ventura, mãe do Vini, autista, 5 anos, e do Vitor, 3 anos, típico).

“Tenho um casal de filhos: o Pedro (4 anos) e a Catharina (2 anos).

Pedro tem autismo leve, Catharina não. Quando Catharina nasceu ele a ignorava, agia como se ela não existisse. Com o passar do tempo, na medida em que ela foi crescendo e começando a interagir, ele começou a interagir de volta. Ela abriu o caminho do desenvolvimento dele, puxando-o pela mão. Ele começou a desenvolver a fala depois que ela começou a falar. Hoje são super companheiros!” (Dalila Mascarenhas)

“Tenho dois filhos: Guilherme de 8 anos (autista) e Caio de 4. Pense numa relação linda. Eles são super amigos, Caio ajuda demais no desenvolvimento do Gui. Eu sempre quis ter 2 filhos e mesmo sabendo que o Caio teria uma chance enorme de ser autista, corri o risco. Sinto que um irmão é o melhor tratamento para o Gui. Eles são muito companheiros, eles se ajudam e se defendem. Não acho justo jogar nenhuma responsabilidade em cima do Caio, mas no meu coração tenho certeza que quando eu não estiver mais aqui, o Gui vai ter o irmão.  Pra mim também foi bom ter o Caio. Ele me proporciona coisas, sensações, risadas e sentimentos que eu achei que nunca teria. Sim  porque eu amo o Guilherme, tenho muito orgulho dele, ele é muito esperto e eu comemoro cada conquista dele mas confesso que tinha uma invejinha das mães, quando via seus filhos fazendo um monte de pergunta, falando coisas engraçadas e contando um monte de estórias.” (Zayra Silva)

“O nosso segundo Léon, já estava a caminho quando o primeiro, Louis, na época com  2 anos indo para 3, foi informado pelo pediatra sobre a suspeita do espectro.(…) E hoje em dia, enquanto eu faço meus afazeres na cozinha, vejo os dois irmãozinhos brigando pelo brinquedo e o Louis convidando a brincar de pega-pega e esconde-esconde. O Léon, por sua vez, observa o Louis a comer e fazer as necessidades no assento sanitário. O Louis é o seu pequeno grande mestre. Confesso que o Léon foi uma fonte de alegria em vários momentos difíceis que tivemos com o Louis. Tive a felicidade em conhecer os dois lados da maternidade, a que encontramos nos livros e a que ninguém me contara que existe. Aliás, tive que reaprender a cuidar de bebê quando do Léon, porque para mim o parâmetro acabava sendo o Louis, rsrs. Hoje, se resolver ter o terceiro, já me considero expert em qualquer bebê. Diria para Deus que mande qualquer um, que aqui na minha casa tem lugar para todos”. (Juliana Suzuki)

“Eu tive Davi aos 20 anos e no decorrer do desenvolvimento dele percebi que havia algo errado. Procuramos vários médicos por 3 anos e nada! Estava desesperada e foi quando descobri que estava grávida. Minha segunda gravidez foi bastante complicada pq além dos meus filhos tb estava cursando História na UFRN. Quando Arthur nasceu ainda não tínhamos o diagnóstico de Davi e as suspeitas já começaram a surgir. Nesse período eu percebi q o desenvolvimento de Arthur estava indo para o mesmo caminho do irmão ( pensei até que estava ficando louca) mas era a mesma situação: não interagir, nada de sorrisos, sem choro e o pescoço bem molhe. Fui chamada de doida pelo meu marido e amigos quando decidi levar Arthur para terapias também. Resumo da conversa: Davi falou com 3 anos e andou com 1 ano e 4 meses. Arthur falou aos 3 anos e meio e andou com 1 ano e 3 meses. Os dois são autistas”. (Danielle Sena)

“Quando meu primeiro filho, o Ian, estava próximo de 1 ano e meio começamos a desconfiar do diagnóstico. Ele apresentava todas as características de uma criança autista! Foi procurar na internet e 5 minutos depois já sabíamos que iríamos ter uma grande luta pela frente. Até começar a avaliação, que fizemos na Universidade Mackenzie, levou alguns meses e acabei engravidando do meu segundo filho nesse meio tempo. Não foi uma gravidez planejada, tanto que quando terminamos o diagnóstico do Ian a nossa outra preocupação era nosso segundo bebê. Nos deram uma probabilidade de 15% de ocorrer novamente. Eu tenho que confessar que no meio de tanta turbulência familiar achei aquela probabilidade baixa e não me preocupei tanto. O Leo nasceu super bem… teve todo o desenvolvimento motor normal, como o Ian, mas quando chegou por volta do 8 ou 9 meses começou a balbuciar alguns fonemas. Ai começou voltar a tensão, porque os fonemas vinham por um tempo e depois sumiam, voltavam e sumiam, e foram assim até 1 ano e meio. Chegou um momento em que conversando com a fono do Ian ela resolveu avaliá-lo por algum tempo. E as terapias começaram a ficar divididas, nossa maior dúvida era se alguns dos comportamentos dele eram imitações do irmão. Ela o observou durante algumas sessões (…) Dito e feito, começamos as avaliações e pela segunda vez tive o diagnóstico.  As pessoas falam que ficam sem chão quando recebem o laudo do filho autista, eu senti o mesmo. Mas quando a gente recebe o segundo não ficamos sem chão, a sensação é que a vida te deu uma porrada tão forte, mas tão forte que eu não tenho palavras para descrever o desespero que senti, demorei um bom tempo pra me recuperar. Além da porrada vem o choque de realidade, eu mal conseguia pagar as terapias do Ian como ia fazer para pagar as do Leo??? Confesso que fomos aos trancos e barrancos por muuuuuito tempo.. Já passei por momentos em que não víamos futuro nenhum para nossa família, eram dias de muito choro e crises. Eu não conseguia fazer nada sozinha, não tinha condições de cozinhar, de dar comida para eles, de dar banho, nadinha… porque enquanto eu estava de olho em um o outro subia em tudo pela casa.. era um risco constante. Sem falar que se eu não conseguia fazer por eles imagina para mim.. cheguei ao ponto de tomar banho e comer ser um luxo. Não dava tempo! Hoje os tempos são outros. Mudamos e moramos em uma casa infinitamente melhor e mais segura. As crianças estão muito mais tranquilas ao ponto de eu conseguir atravessar a cidade sozinha com eles, pegando ônibus cheio e metrô!!! Nunca pensei que um dia isso fosse acontecer”. (Telma Esteves) 

“Consultamos o neuropediatra que pediu para que fosse feito o exame X-frágil (…) O exame deu negativo, e recebemos a grande notícia que poderíamos encomendar um irmão/a para o Henrique (autista). Tive uma gestação tranquila (…) Em 1997 chegou nossa princesa Isabella, igual ao irmão muito linda e fofinha, concretizando um grande sonho. Estava indo tudo como planejado, mas por volta dos 9 meses ao retirá-la do berço, senti um frio na espinha. Por que este olhar no vazio minha querida, um olhar que não vê? Minha menina também apresentava esteriotipia balançando muito as mãozinhas quando o desenho era interessante, gostava de ficar brincando sozinha, demorou para andar, demorou para falar, choramingava com frequência, foi conhecer um sono ininterrupto aos 7 anos…algumas vezes íamos trabalhar como zumbis. Sempre fomos de viajar, receber amigos em casa, então estes garotos foram muito estimulados, eu acreditava que aos poucos com muito amor, paciência e determinação o gap ficaria menor. Quantas vezes chegava do trabalho após 2 horas no trânsito em São Paulo, sentava no chão e ia escrever com meus filhotes, descer e subir escada, pintar, correr. E eu estava certa, meus jovens são maravilhosos, estão nos surpreendendo a cada dia. ” (Elisabeth Barbara)

A disposição do PAI é para mim  o fator mais definitivo, ainda mais em se tratando de filhos no espectro. Sabemos o quanto a aceitação para o homem é mais complicada, o tanto de mães sozinhas de filhos especiais que vemos por aí…Tive que confiar plenamente de que o desejo dele era legítimo, que ele sabia exatamente dos riscos (ditos a ele pessoalmente pelo médico, inclusive) para eu ter certeza da minha decisão. Minha história talvez seja diferente da maioria porque o segundo é filho do segundo casamento, o que teoricamente (bem teoricamente) diminuiriam as chances de termos outro autista. Coisa que eu vi, não faz muito sentido já que o diagnóstico do meu sobrinho veio logo depois, nos levando a crer que o traço genético é mais forte na minha família. ‘Dar um irmão’ para o Nicolas também pesou muito nessa decisão. Típico ou não, a ideia de dar um irmão a ele me trazia um certo alívio, saberia a partir de então que ele não estaria sozinho na vida. E o pânico de morrer e deixá-lo sozinho acabou com a vinda do irmão. Sei que ele estará amparado minimamente e quando precisar, terá alguém por ele. Tá certo que isso não é garantia de nada e que está cheio de irmão querendo mal do outro, mas criamos os meninos para que sejam os melhores amigos um do outro, estimulando a todo momento o companheirismo entre eles, a aceitação e o amor. Ter a familinha completa é a realização de um sonho na minha vida. Apesar de o Bê não estar no espectro, há alguns comportamentos que a gente vem acompanhando muito de perto, como umas manias que talvez sejam TOC. Gelei ao perceber a repulsa dele por sujeira, tinta e cola. Isso está melhorando aos poucos, e temos prestado muita atenção”. (Natalia Rinaldi)

“Com 22 anos tive o Gui, que sempre teve uma inteligência acima da média e só começou a apresentar diferenças com 4 anos, foi diagnosticado com Asperger aos 5 anos. Quando ele estava com 7 anos, decidi engravidar de novo e jamais pensei que meu segundo filho pudesse ter algum comprometimento, eu tinha 31 anos quando o Dudu nasceu e logo no começo já notei que ele era diferente, antes dos 18 meses o Dudu foi diagnosticado com autismo severo. Me separei quando o Dudu ainda era um bebê, o pai , por escolha própria o vê 5 minutos por semana.  Me casei novamente com um homem maravilhoso que recebeu meus filhos com muito amor, o filho dele de 15 anos mora conosco a três anos. Hoje sei que nada acontece por acaso e somos uma família que tem problemas mas é muito feliz. :). Meu filho caçula é absurdamente apaixonado pelo meu marido, e meu marido é outra pessoa depois de ter conhecido o Dudu. ” (Greice Verrone)

“Meu segundo filho (não autista) tem sido fundamental no progresso do irmão que o usa constantemente como modelo a ser seguido. E apesar dele ter apenas 5 anos, aprendeu a interagir melhor com o irmão participando das sessões de ABA e já notamos o quanto se preocupa, cuida e zela pelo irmão.” (Daniely Lins)

“E, de fato, o André teve um avanço grande no desenvolvimento, ficou mais independente, carinhoso e daí pra frente foi só evolução. É apaixonado pelo irmão, o amor entre os dois vale todo o trabalho!” (Evelin Carvalho, cujo segundo filho, Samuel, veio autista mais severo que o irmão)

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