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A História do Théo (por Sohar Dahini)

Por Sohar Dahini

Capítulo I

Raízes

Bom, alguns de vocês já conhecem a nossa história e outros morrem de curiosidade de conhecê-la, mas não sabem ao certo como perguntar. Então contarei desde o princípio.

Meu nome é Sohar Dahini. Tenho hoje 36 anos, sou formada em Artes Plásticas e sou também atriz. Desde bem pequena sempre fui da área das artes. Sempre me interessaram os desenhos, pinturas, teatro, música e pessoas. Casei-me aos 29 anos com meu amado marido, o Beto. O Beto é meu oposto: Calmo, cartesiano e racional. Eu, artista de coração, sou: Agitada, criativa e emotiva. Depois de bons anos tentando engravidar fomos presenteados com a nossa filha Maitê: A fabulosa. Ela é calma e agitada, criativa e cartesiana, racional e emotiva. Quando Maitê completou um ano de vida resolvemos ter mais um filho. Antes disso me parecia uma missão impossível ter mais que um filho. Mas como dizem: Nada como um dia após o outro! Pensávamos muito no fato de que um irmão ou irmã seria muito bom para que a Fabulosa tivesse uma pessoa que a acompanhasse pela vida. Alguém para aprender a dividir, compartilhar, negociar, brincar e amar. Achamos que seria a coisa mais justa e bacana com a Maitê e pensamos em tudo de forma bem racional e rápida. Tão rápida que três meses depois… POSITIVO! Eu estava grávida! E como eu já havia ouvido falar, nenhuma gravidez é igual à outra. Isso é fato! Enjoei muito na segunda gravidez, tinha um sono incomum e sensibilidade extrema a odores e perfumes em geral. Tive também alguns pequenos sangramentos que me preocuparam muito, então mesmo estando louca para trabalhar tive que sair de uma escola em que eu ia começar a dar aulas de arte para crianças e larguei definitivamente os eventos que eu fazia. Eu sei que disse que sou artista, mas artista para se manter acaba mesmo dando aulas e fazendo mil atividades para ter alguma estabilidade econômica. Mas como “não fazer nada” nunca foi meu forte, eu me dediquei um pouco mais a fazer caricaturas e outras artes que eu pudesse fazer de casa. Nessa fase também me dediquei muito à educação da minha Fabulosa, transmissão de valores e brincar o máximo possível com ela! Que fase boa foi essa! Finalmente estávamos comprando um apartamento que iria ser entregue em mais ou menos um ano. Frequentávamos o clube todos finais de semana, viajávamos para São Paulo visitar a família com certa regularidade. Tudo estava se encaixando! Minha barriga estava enorme e o Théo mexia muito. Cada ultrassom era uma surpresa. Peso e tamanho acima da média, ele sempre fazia movimento de mastigar e às vezes ficava com a língua para fora como se lambesse o líquido amniótico. “Vai ser bom de garfo” dizia a médica do ultrassom. Fofo! E todo mundo perguntava: “Mas vai mesmo ter parto normal?” E eu dizia: “Lógico, o parto da Maitê foi uma maravilha! E agora já estou treinada!”.

Capítulo II

Bom… Aqui vou pular para 10 dias após o parto. Acordei em um quarto estranho, com o Beto ao meu lado. Ele falava comigo devagar e pausadamente, como quem fala com algum estrangeiro idoso. Eu estava bem confusa, então tudo era estranho, porém eu não me dava conta de quão estranho era.Beto: “Amore, você se lembra de mim?” Eu: “Lógico Beto, onde eu estou?” Beto: “Calma, fica calma. Tá tudo bem… Você se lembra da Maitê?” Eu: “Sim, lógico! Nossa filha! O que está acontecendo?” Beto: “Calma… Você se lembra do Théo?” Nessa hora eu apertei a minha barriga e vi que o Théo não estava lá dentro. Só me lembro disso. Não, eu não sofri, nem chorei. Mal entendi o que se passava. Eu estava dopada, não de calmantes, mas minha consciência estava diferente. Eu estava cheia de remédios, com a percepção totalmente alterada. A partir daí só lembro das coisas em flashes. De algumas coisas eu me lembro muito bem, outras eu não lembro absolutamente nada. Acredito que voltei ao meu normal apenas dois meses após o nascimento do meu guerreiro.

Capítulo III

Mas O QUE aconteceu?

Sabe amnésia de filmes e de novela? Ela existe mesmo! Não me lembro de nada de uma semana antes do nascimento do Théo até o décimo dia no hospital. Foi um apagão geral. E sou grata, imensamente grata a isso! Mas quis saber o que aconteceu, fiz perguntas, questionamentos e pelo o que me contaram aconteceu mais ou menos o seguinte:Tudo estava perfeito. Entrei em trabalho de parto, fui ao Obstetra que viu que eu já estava bem dilatada apesar de não sentir dor (assim como no T. P. da Maitê). Arrumei as malas, mandei e-mails para toda a família e amigos além de escrever no Orkut que eu estava indo para a Maternidade (sim, eu ainda só postava coisas no Orkut que ainda estava no auge). Tudo estava perfeito. Equipe médica nota dez, obstetra que eu cuidadosamente escolhi, anestesista e pediatra da minha total confiança. Entrei na sala de parto com o Beto. Curiosamente ele disse que eu não quis tirar fotos (EU não quis tirar fotos? Isso me intriga até hoje, pois sou alucinada por fotos! Acho que já era um presságio do que iria acontecer). Bom, pelo que me descreveram o Théo já estava “coroado”, tudo correndo bem quando eu disse que não estava sentindo os meus braços. Disse então que estava difícil respirar e murmurei: “Socorr….”. Esse momento deve ter sido um pesadelo para todos. Ao perguntar mais detalhes sobre tudo isso para o Beto percebi que ele mudou de feição por completo como se voltasse lá e sentisse tudo novamente. Preferi então não voltar a perguntar mais nada sobre isso para ele. Imagino que foi uma grande correria. Não sei exatamente a ordem dos acontecimentos, mas resumidamente sei disso: Eu tive uma parada cardiorrespiratória, fui reanimada, fui entubada, prepararam uma cesárea de emergência. Retiraram o Théo e o reanimaram. Tive uma hemorragia gravíssima, recebi 10L de sangue, tive o útero retirado. O Théo fez um Pneumotórax e ficou na UTI da maternidade… No meio de tudo isso eu fui transferida da Maternidade para um Hospital que tem UTI para adultos. Ninguém sabia ao certo se sobreviveríamos. Sei que o meu obstetra sentou-se no sofá da recepção do Hospital e chorou copiosamente. Hoje ele diz que eu sou como sua filha. Sei que muitas amigas conversaram com o Beto por telefone e e-mail como se ali fosse o fim. Sei que pessoas que me visitaram no hospital, amigos e familiares. Muitos acharam que eu nunca mais voltaria ao normal. Bom, mas como normal eu nunca fui, só posso agradecer todos os dias por estarmos aqui, vivos e felizes! Gratidão … Eu hoje estou muito bem, melhor até do que antes. O Théo está um tourinho e é um menino lindo, meigo, fofo e guerreiro!

Capítulo IV

Nossa vida hoje

Somos felizes! Muito felizes! O Théo é feliz! Todo o drama me parece um passado longínquo e distante. Vivemos o dia de hoje, cada minuto, cada segundo de forma plena.Muita gente acha que uma criança com paralisia cerebral sofre. Muita gente acha que a família de uma criança com qualquer deficiência sofre, ou tem como “obrigação” sofrer. Muita gente acha que só pode ser castigo de Deus. Eu particularmente acho que o “achismo” é o mal do ser humano. O Théo é uma dádiva, um presente de Deus. Basta saber ver. O Théo precisa realmente de uma série de cuidados e principalmente estímulos, mas isso não pode limitar toda a nossa família principalmente em relação à felicidade! Temos crises e brigas como qualquer outra família. Nós nos empenhamos em resolver nossos problemas e sermos felizes como qualquer outra família. O Théo é sorridente, gosta de receber atenção e carinho. Ele adora música, adora que conversem com ele, e adora, principalmente, a voz da irmãzinha. Adora a hora do banho, ama os fisioterapeutas, enfermeiras e a T.O… E ama principalmente um colo. Eu sempre fui uma pessoa sorridente, e não perdi essa característica. O começo foi sim mais difícil… Mas obstáculos servem para ser superados! Continuo sorrindo, gargalhando, contando piada. Continuo com minhas manias, qualidades e defeitos. E agora tenho até uma página no facebook!


foto: arquivo pessoal

foto: arquivo pessoal


Criei essa página, “Coração e Raízes”, por muitos motivos. Dentre eles cito alguns aqui:

-Compartilhar amor;

-Compartilhar informação;

-Compartilhar exemplos de superação;

-Ajudar a acabar com o preconceito em relação a famílias que tem uma criança com deficiência, seja física, motora ou cognitiva;

-Ajudar a acabar toda e qualquer exclusão em relação a pessoas com qualquer tipo de deficiência;

-Ajudar outras mães a perceberem que a vida é bela, que dificuldades são superadas dia após dia (seja lá qual forem) e mostrar que nossos filhos são verdadeiros mestres em nos ensinar o que é essencial!

“Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos.” (Antoine de Saint-Exupéry)

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