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Apraxia de fala na infância (AFI): o que você deveria saber

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Inúmeros são os fatores que influenciam ou prejudicam o desenvolvimento de linguagem das crianças e de diferentes naturezas: orgânica, psicológica e/ou social.

Em todo o mundo, calcula-se que 5 a 10% das crianças em idade pré-escolar apresentam alguma dificuldade para se comunicar.

Embora o quadro geral seja o distúrbio de comunicação, as causas podem ser diversas e, entre elas, está a Apraxia de fala na infância (também conhecida como “Apraxia de fala do desenvolvimento” ou “Apraxia verbal”).

Estima-se que 3 a 5% das crianças com distúrbio de linguagem têm AFI, o que corresponde a um índice de 1-10 a cada 1000 crianças em todo o mundo. As pesquisas no Brasil nesta área ainda são recentes e escassas, mas já possível fazer um diagnóstico na primeira infância, permitindo uma intervenção precoce e eficaz! Desde 2007, a ASHA (American Speech and Hearing Association) considera a existência da Apraxia de fala na infância e a conceitua como “um distúrbio de fala de natureza motora“. Crianças com Apraxia de fala têm problemas para falar sons, sílabas e palavras. Isto não é causado por fraqueza/fragilidade ou paralisia nos músculos. O cérebro tem problema para planejar o movimento das partes do corpo (por ex: lábios, mandíbula e língua) necessários para a fala. A criança sabe o que ela quer falar, mas seu cérebro tem dificuldade de coordenar os movimentos musculares necessários para dizer aquelas palavras.”[1]

Os fatores causais do quadro de AFI em crianças são desconhecidos, e sua identificação pode ser negligenciada, já que muitas características são comuns a outros quadros de Distúrbios Específicos de Linguagem, entre elas: a fala pouco inteligível; atraso no desenvolvimento de linguagem oral, repertório limitado de balbucios e perda de palavras anteriormente faladas.

Apesar de muitos sinais serem observados desde os primeiros meses de vida de um bebê, o diagnóstico diferencial de Apraxia de fala na infância só é fechado após os 3 anos de idade – isso porque, na avaliação, a criança deverá executar alguns comandos e ter uma razoável quantidade de palavras no seu vocabulário, que, em menor idade, não conseguiria.

Apesar de se observar grande variabilidade na presença e no grau dos sintomas, sabe-se que as crianças com Apraxia de Fala na Infância[2] têm, em termos gerais, alterações de produção e articulação dos sons da fala e na prosódia (“melodia” da fala e acentuação das sílabas) incomuns e variáveis. Além disso, outros sintomas principais são notados:

  1. Poucos são os casos de crianças com alteração na produção de vogais na clínica fonoaudiológica. Crianças apráxicas têm produções com repertório limitado de vogais, com distorções e/ou menos diferenciação entre as vogais;

  2. Variabilidade de erros: os erros nas produções de fala podem se repetir ou não, bem como podem aumentar ou intensificar quando falam palavras com mais sílabas ou frases maiores.

  3. Diferentes desempenhos nos distintos contextos: A criança pode conseguir produzir um som em um contexto (normalmente, em palavras menores, contexto de repetição ou aprendizado) e não conseguí-lo em produções espontâneas.

  4. “Velocidade de fala” lenta, com mais e maiores pausas entre/dentro das palavras e sem variações melódicas (“fala monótona”); Hesitações (como nos quadros de gagueira) também podem ser notadas.

  5. Podem também apresentar dificuldade em imitar/realizar caretas e outros movimentos dos órgãos fonoarticulatórios que não são ligados à produção de sons da fala. Nesses casos, há um diagnóstico de Apraxia Oral associada à Apraxia Verbal.

  6. Ainda, considerando-se que fala e linguagem são dois aspectos distintos (apesar de complementares) da comunicação, a Apraxia de Fala na Infância é uma desordem neuromotora de produção de fala que pode coexistir às alterações nos aspectos da linguagem.

A Apraxia de Fala na Infância e Transtorno do Espectro Autista

Como o trabalho com Apraxia de Fala na Infância ainda está “engatinhando” , não se tem dados numéricos sobre a presença de AFI em outras síndromes ou em crianças com múltiplas deficiências.

No Brasil, um trabalho consistente já vem sendo feito com crianças com Síndrome de Down ou outras Síndromes, que não apresentavam melhora nas terapias tradicionais. Mas ainda não se tem muitas notícia sobre o trabalho “formal” (percebe-se que muitos fonoaudiólogos já trabalham essas questões, menos sem ter o diagnóstico de AFI!) com crianças com Transtorno do Espectro Autista.

Como um dos aspectos afetados no Transtorno do Espectro Autista (TEA) é a esfera da Comunicação, que também está intensamente comprometida na Apraxia de fala na Infância, pode haver coexistência ou conflito entre os dois diagnósticos.

Os sintomas de ambos os quadros são observados já em bebês, que costumam ser mais quietos e silenciosos, sem produzir balbucios ou brincadeiras vocais. Por volta dos 20 meses, o atraso no desenvolvimento de linguagem pode ser o estopim para a busca por um diagnóstico.

Observa-se que muitas das crianças com Apraxia podem ter suas habilidades sociais prejudicadas, em decorrência de ter sua fala incompreendida pelas pessoas, o que vai sendo amenizado com a mudança no padrão de fala.

Por outro lado, novos estudos internacionais têm apontado que, aproximadamente, 65 % das crianças com TEA podem ter também Apraxia de fala. O que isso significa? Que a intervenção fonoaudiológica de crianças com suspeita de autismo deve englobar a investigação (e tratamento, se necessário) para as alterações de Apraxia de fala:

Além disso, é importante considerar que os sinais-chave da Apraxia podem ser observados em menor ou maior grau e existência, variando de criança para criança. Com um quadro tão variável e abrangente, quando os familiares e profissionais devem desconfiar de Apraxia de fala na Infância?

  1. Não há aparentes anormalidades na estrutura muscular que justifique a ausência ou alterações na fala;

  2. As habilidades auditivas e de compreensão da fala estão adequadas, mas a criança não desenvolve linguagem, apesar de, em alguns momentos, falar sons não-verbais ou palavras isoladas;

  3. Mesmo estando em um processo terapêutico fonoaudiológico de qualidade, não há grandes avanços no quadro apresentado pela criança.

  4. Um extenso protocolo de avaliação fonoaudiológica que envolva aspectos linguísticos, fonológicos e motores, associado a avaliações de neuropediatria e terapia ocupacional, e descarte de outros diagnósticos é essencial para a identificação da Apraxia de fala na Infância.

O diagnóstico de Apraxia da Fala na Infância é feito por um fonoaudiólogo! Mas, em muitos casos, sugere-se a avaliação de outros profissionais: neurologistas, geneticistas, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas. Eu incluiria também o Foniatra (médico otorrinolaringologista especializado em linguagem). Mas se deve ter em mente que mais do que um diagnóstico, o que as crianças com AFI precisam é um tratamento adequado!

O processo terapêutico fonoaudiológico de crianças com para Apraxia de Fala na Infância é intenso e individual, podendo ser necessárias de 3 a 4 sessões semanais, e requer a continuidade dos treinamentos em casa pela família.

De base motora, o plano de exercícios deverá ser montado individualmente, priorizando os aspectos de maior dificuldade para a produção de fala. Além do foco proprioceptivo, sugere-se ainda que a criança tenha acesso a diferentes pistas sensoriais para o aprendizado: visuais, táteis, auditivas e cognitivas.

Enfim, tendo autismo e/ou AFI, não há uma receita única para todas as crianças, mas a fórmula de sucesso é: intervenção precoce + terapeutas comprometidos + pais atentos e empoderados (para questionar a equipe sempre que achar necessário!)

Para os fonoaudiólogos e familiares que se identificaram com os sinais de AFI em sua criança, haverá, em Novembro, a, 1a Conferência sobre o tema: http://www.conferenciaapraxia.com/.

Vale a pena conferir!  

[1] Texto original: “Childhood apraxia of speech (CAS) is a motor speech disorder. Children with CAS have problems saying sounds, syllables, and words. This is not because of muscle weakness or paralysis. The brain has problems planning to move the body parts (e.g., lips, jaw, tongue) needed for speech. The child knows what he or she wants to say, but his/her brain has difficulty coordinating the muscle movements necessary to say those words”. [2]


Lílian Kuhn – Fonoaudióloga CRFa 2-14684 Contatos:e-mail: fono.liliankp@gmail.com Instragram: @fonoecom Facebook: https://www.facebook.com/fonoecom

Imagem inicial: Shutterstock

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