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Autismo, escolas e Londres parte 2: principais aprendizados

Bom, vamos dizer que você está se mudando pra Londres agora. E você tem um filho autista. Como conseguir escola e recursos pra ele?

O processo funciona assim: você escolhe um bairro pra morar. Cada bairro pertence a uma Local Authority ou Council (como se fosse uma “subprefeitura”). Você tem que ir a esse Council e eles deverão providenciar a escola mais adequada ao seu filho, dentro daquela mesma região.

Mas o meu filho é autista. E agora? Bom…se você quer garantir ajuda extra (e recursos extras) para o seu filho, terá que iniciar um processo para conseguir o que eles chamam de “statement of special needs”. E o que é isso? Basicamente, o Estado vai determinar um conjunto de profissionais que vão analisar o seu filho, diagnosticá-lo oficialmente (essa é a primeira fase, chamada “assessment”), e determinar cada coisinha que ele necessita de apoio, com metas a cumprir. Cada coisinha mesmo: fono, fisioterapia, terapia ocupacional, etc etc etc. E isso inclui suporte específico na escola.

Todo esse processo demora em torno de 6 meses. Com o statement em mãos, você pode brigar por tudo: pode mudar seu filho de escola (alguns conseguem até colocar o filho em escolas particulares, que o Estado vai pagar, dependendo do que houver de recursos na região). Pode conseguir uma acompanhante para o seu filho na escola atual dele. Ou pode colocá-lo em uma escola especial. Sim, porque, para frequentar escola especial do Estado em Londres, só com o statement. Isso acontece para que a inclusão na escola regular seja priorizada.

Tendo dito isto, em Londres, há, basicamente, 3 tipos de escolas públicas: as regulares, as especiais, e as regulares com um núcleo especial dentro. Visitei todos os 3 tipos. Em algumas, tive a adorável companhia da Fausta Cristina, do blog Mundo da Milena, o que foi MUITO proveitoso e, claro, agradável, porque ela é uma fofa! <3


Eu e a minha amiga Cris em Londres

Eu e a minha amiga Cris em Londres


APRENDIZADOS GERAIS

1. Eles levam a inclusão tão a sério que a maioria das escolas possui um SENCO (sigla para “coordenador da educação especial”). É ele quem cuida de todos os assuntos relacionados à inclusão. E foi com essas pessoas que falamos na maior parte das vezes.

2. Em todos os tipos de escolas, prioriza-se o aprendizado “mão na massa”. As crianças plantam, colhem e preparam alimentos. Através disso, aprendem algo de biologia e, também, texturas, sabores, formatos diferentes. Isso é positivo para qualquer criança, não só as especiais.

3. Recursos visuais, recursos visuais, recursos visuais! Sempre! É positivo para todo o grupo, e facilita ainda mais o aprendizado das crianças autistas.

4. Todas as escolas são avaliadas oficialmente 1x por ano. Esse relatório é chamado Ofsted, e é feito por um órgão que reporta direto ao Parlamento Britânico. As melhores escolas são sempre premiadas pelo governo (às vezes, ganham até condecorações da rainha). Esse reconhecimento serve muito de incentivo, e a avaliação é tão séria que elas adoram exibir os resultados.


Esta escola obteve "good" no Ofsted e colocou uma faixa no quarteirão

Esta escola obteve “good” no Ofsted e colocou uma faixa no quarteirão


5. Treinamento é tudo. A NAS (National Autistic Society), uma das maiores ongs do mundo sobre o assunto, se juntou a outras ongs na Inglaterra e treinou uma grande parte das escolas sobre educação de crianças autistas. Esse treinamento inclui um manual ENORME, que eu vi em uma escola, com recursos para professores. E eles, realmente, usam o que aprenderam! A Cris vai falar mais sobre a NAS depois, já que ela esteve em um seminário que falava justamente sobre isso. 🙂

6. Está acontecendo um movimento para que só os autistas realmente mais comprometidos fiquem na escola especial. Os demais estão sendo incentivados a ir para a escola regular com suporte. Uma das escolas regulares que eu visitei possui autistas em quase todas as classes, com acompanhamento. E, segundo a coordenadora, eles costumam se adaptar muito bem. Nas palavras dela, “ser não verbal, não significa que a criança tem que ir para uma escola especial. Tenho crianças, aqui, que não são autistas, mas não falam (têm apraxia ou até mutismo seletivo). Se elas podem frequentar a escola regular, por que os autistas não poderiam?”.

7. Um recurso muito usado, na maioria das escolas, são as salas sensoriais. Todos os alunos autistas passam, pelo menos, 15 minutos do dia ali. Se for necessário mais tempo para acalmar, ela é usada também.

8. Dentre as escolas que visitei, não houve uma só escola com metodologia única para autismo. Todas usam variados recursos, dependendo do aluno e da situação. Os professores têm treinamento em ABA, PECs, TEACCH e outros. Mas o discurso recorrente é que “as crianças são diferentes. Então, não há uma metodologia que atenda a todos. Tudo é feito de acordo com a resposta e as necessidades de cada criança”. 9. Todas as escolas aplicam o currículo nacional aos alunos autistas, com exceção da escola especial, que faz uma adaptação. Na escola regular com núcleo especial, a professora me disse que “o objetivo dela é deixar aquelas crianças prontas para frequentarem a escola regular”. E que ela vê que cumpriu sua missão quando elas fazem essa transição (e, segundo ela, a maioria consegue fazer).


Escola regular com núcleo especial, onde conheci a professora mais fofa do mundo

Escola regular com núcleo especial, onde conheci a professora mais fofa do mundo


10. Muita receptividade e pouco mimimi. Somente em uma escola, a diretora me disse, com sinceridade, que só tinha autistas de alta performance. Nas outras, quando eu disse que tinha um filho autista não verbal, fui recebida com sorrisos e declarações calorosas e positivas, como “se seu filho vier pra cá, vai ser muito bem recebido”. A que mais me surpreendeu disse “ah, seu filho é autista? Que ótimo! Temos muitos recursos legais para crianças autistas aqui na escola!” (essa foi em uma escola totalmente regular).


Escola regular, inclusiva e muito receptiva!

Escola regular, inclusiva e muito receptiva!


11. Professores apaixonados, que falam do que fazem com amor nos olhos, que se sentem reconhecidos e com muito senso de responsabilidade. Não existe só “venha a nós”. Existe uma postura clara de “se o governo colocou essa criança aqui na minha escola, eu vou brigar com eles pelos melhores recursos para educá-la”. Uma professora me disse, com os olhos cheios d’água: “Não tenho grandes ambições na vida. Amo ensinar. E sei que posso fazer a diferença”. Me emocionei junto com ela. 12. Uma parceria muito próxima com os pais. Isso é considerado essencial para que tudo vá bem. Relatórios detalhadíssimos são enviados pela escola todos os dias. Os pais também são incentivados a acreditar muito no potencial da criança. Uma professora me disse que todos os pais que chegam lá, antes de falar dos problemas, têm que falar 5 coisas positivas sobre o filho ou filha. “Se você não acredita no potencial do seu filho, como vai me fazer acreditar?”.


Exemplo de relatório detalhando todo o dia da criança

Exemplo de relatório detalhando todo o dia da criança


13. E, pra terminar, nada disso veio de graça. A cultura, na Inglaterra, é de por a mão na massa. A NAS (National Autistic Society) briga, desde 1962, junto ao Parlamento britânico, para aprovar leis e brigar pelos direitos das pessoas autistas. Existe união, foco, objetivos conjuntos. E isso, pelo que pude ver, tem dado muitos frutos!


Placa que estava na porta de uma escola regular pública (e muito inclusiva) que visitei: "Crianças na Escola Melcombe têm: 1. O direito de se expressar e ter sua voz ouvida, desde que não ofendam a ninguém e tenham respeito pelo ponto de vista dos outros. 2. O direito de não sofrerem abusos físicos, emocionais ou verbais dos pais, outros adultos e crianças, e de não serem tratadas com crueldade, mesmo que tenham feito algo errado. 3. O direito, independente da deficiência que porventura tenham, a uma educação empolgante, desafiadora e significativa, que desenvolva suas habilidades e talentos, e as transforme em aprendizes capazes e bem sucedidas. 4. O direito a momentos para brincar, quando podem relaxar e se divertir com seus amigos, sempre respeitando os direitos dos outros. 5. O direito de aprender e usar sua própria linguagem e a praticar suas próprias crenças religiosas e costumes, sempre respeitando os costumes dos outros. 6. O direito a um estilo de vida saudável e e cuidado médico e o direito a um lar decente com água limpa, eletricidade e espaço suficiente para toda a família." (Escrito por crianças da Escola Melcombe em 2010)

Placa que estava na porta de uma escola regular pública (e muito inclusiva) que visitei: “Crianças na Escola Melcombe têm: 1. O direito de se expressar e ter sua voz ouvida, desde que não ofendam a ninguém e tenham respeito pelo ponto de vista dos outros. 2. O direito de não sofrerem abusos físicos, emocionais ou verbais dos pais, outros adultos e crianças, e de não serem tratadas com crueldade, mesmo que tenham feito algo errado. 3. O direito, independente da deficiência que porventura tenham, a uma educação empolgante, desafiadora e significativa, que desenvolva suas habilidades e talentos, e as transforme em aprendizes capazes e bem sucedidas. 4. O direito a momentos para brincar, quando podem relaxar e se divertir com seus amigos, sempre respeitando os direitos dos outros. 5. O direito de aprender e usar sua própria linguagem e a praticar suas próprias crenças religiosas e costumes, sempre respeitando os costumes dos outros. 6. O direito a um estilo de vida saudável e e cuidado médico e o direito a um lar decente com água limpa, eletricidade e espaço suficiente para toda a família.” (Escrito por crianças da Escola Melcombe em 2010)


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