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Chover para florir

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Faz um mês que nos mudamos para Londres.

Na semana passada, pela primeira vez na vida, me vi completamente sozinha com o Theo: Leandro viajou a trabalho e eu não tinha sogra, mãe, babá ou amigas por perto. Éramos somente eu e o rapazinho. Cheio de tédio, diga-se de passagem. Ainda sem escola e em pleno processo de adaptação ao ambiente mais frio, chuvoso e com um idioma completamente diferente.

E, no meio da semana, veio o dia mais difícil de toda a minha vida pós diagnóstico. Theo estava particularmente sensível. E eu fazia malabarismos para tentar entender o porquê de tanto choro e ataques de raiva. Falta do pai? Tempo nublado? Saudades dos avós? Tudo junto?

Fomos ao mercado logo após o almoço. Isso acaba sendo um passeio quando não se pode ir nem ao quintal por causa da chuva. E, normalmente, o Theo gosta desse programa, principalmente porque eu aviso que “vamos ao mercado pra comprar coisas gostosas”. Mas não nesse dia…ele se mostrou irritado durante todo o tempo em que estivemos lá.

Na hora de passarmos no caixa, teve a primeira crise de raiva e arremessou os dois carrinhos que carregava no pobre do rapaz que trabalhava ali. Imediatamente, pedi desculpas e expliquei que ele era autista. O rapaz foi extremamente compreensivo. Uma moça que passava seus ítens no caixa ao lado veio devolver os carrinhos para o Theo sorrindo de orelha a orelha e dizendo algo como “veja só, alguém perdeu seus carrinhos!”. Saí apressadamente dali e me dirigi ao estacionamento com as compras e o Theo dentro do carrinho.

Alguns metros antes de chegarmos ao carro, a segunda crise de raiva. E lá se vão os carrinhos de novo ao chão. E, antes que eu pudesse pensar em deixá-los ali mesmo, surge a mesma moça que estava dentro do mercado e me entrega, de novo, os brinquedos. Quase automaticamente, falei a mesma frase que uso nesses momentos. “Me desculpe, ele é autista”. E o que ouvi de volta foi: “Eu sei. Deve ser muito difícil”.

Tanta empatia em uma pessoa só me emocionou tanto que fez cair um choro que estava entalado há muito tempo. E, assim, fiz o caminho de volta pra casa. Eu chorava dirigindo e o Theo chorava no banco de trás. As lágrimas se derramavam dentro do carro quase na mesma intensidade da chuva do lado de fora.

Sim, às vezes, é MUITO difícil. Esse dia, especificamente, foi o mais difícil dos que eu me lembro. Eu estava cansada, esgotada física e emocionalmente, e sem saber como lidar com um rapazinho no auge de sua frustração e irritação.

E fui me deitar chorando: por mim, por ele, pelo autismo, pela perda do filho idealizado (pelo qual eu não chorava há 3 anos), pela solidão que eu sentia naquele momento. E apaguei, exausta, no travesseiro molhado. Pelo menos, aquele dia ruim tinha acabado.

Acordei de madrugada. Ouvi uma porta rangendo e pequenos passos no chão de madeira barulhento da casa. Era ele, o baixinho que não se conforma em ter que dormir sozinho, que recusa o rótulo de “criança que gosta de se isolar”. Não, ele é a criança que sempre que ter companhia! E conseguiu…dormiu grudadinho comigo até de manhã.

E, quando clareou, acordei com um abraço apertado e um beijo de borboleta: ele encostou seu narizinho no meu e ficou olhando lá dentro dos meus olhos…e seus grandes olhos castanhos sorriam. E ficamos ali, abraçadinhos, por mais meia hora.

Ganhei carinhos, beijinhos e sorrisos. E o dia correu tranquilo e feliz, sem nenhuma crise, nenhum stress, só sorrisos, abraços e muito companheirismo.

E eu fiquei pensando que momentos assim, como a meia hora de carinhos que ganhei antes de me levantar, é que são nosso combustível para aguentar os dias mais difíceis. São eles que renovam a nossa fé de que as coisas vão melhorar. São eles que nos lembram do nosso amor maior que o mundo por essas criaturinhas de olhos tão expressivos. E nos mostram pelo que estamos lutando todos os dias.

Nada como um dia após o outro para renovar nossa esperança, nossas forças e nosso amor.

Uma música muito bonita diz que “é preciso a chuva para florir”. E eu sei que o sol foi mais brilhante e mais bonito pra mim, naquele dia, porque veio depois de uma grande tempestade.  

Imagem: Shutterstock

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