“Quando você para de sonhar, você para de viver.”~ Malcolm Forbes
Uma certa mineira morou por muito tempo no interior. Viu a mãe cuidar exclusivamente dos filhos. A famosa “profissão esposa e mãe”. Cresceu ouvindo, dessa mesma mãe, que deveria ter sua própria profissão e seu próprio dinheiro.
Quando era pequena, sonhava em ser professora. Daí, de repente, desandou a brincar de dentista com os primos menores. Acho que a mãe pensou “ufa! Profissão igualmente nobre, mas melhor remunerada!”.
Na pré adolescência, sonhava em ser paquita. Obviamente, seus pais não toparam nem tocar no assunto. Então, começou a sonhar em ser médica. Logo ela, que sentia um frio na espinha sempre que via sangue. Coisas da adolescência.
Depois, sonhou ser advogada. Porque a irmã mais velha, o maior ídolo, era. E porque todo mundo falava “a Luciana fez Direito na UFMG”. Uó da finesse.
Passada a fase do “wannabe Luciana”, sonhou em ser jornalista. Tipo aquelas famosas que aparecem na tv. Lembrou-se de que escrevia muito bem no colégio. Nas aulas de redação, no ensino médio, pensava por cinco minutos sobre o tema e usava mais dez minutos para escrever o texto: sem rascunho e a caneta. Mentes verborrágicas funcionam assim. E lá foi ela tentar ser jornalista.
Acabou não sendo jornalista famosa também, mas não vamos falar mais disso por enquanto. Aqui, começa uma história em paralelo.
Quando ela era pequena e sonhava em ser professora, depois dentista, sonhava, também, em ter seis filhos. Três meninos e três meninas!
Na adolescência, enquanto sonhava em ser médica, depois advogada, passou a sonhar em ter quatro filhos. Assim como a mãe. Lindo, não?!
Quando se tornou jornalista, passou a sonhar com dois filhos. Um casal seria perfeito! Pra que mais que isso?
E ela se apaixonou. E se casou. E, logo, engravidou. E descobriu que esperava um garotinho. Theo seria um lindo nome! E esse Theo seria lindo também, e inteligente, e faria judô e natação!
Sonhou com o Theo de touca e sunguinha. De uniforme, indo pra escola. Sonhou com o Theo dizendo “eu te amo, mamãe”. Declamando uma poesia no Dia das Mães na escola. Dançando quadrilha na festa junina, segurando na mão na coleguinha.
Sonhou com o Theo levando os amigos pra casa no fim de semana. Fazendo intercâmbio e aprendendo inglês. Arrumando uma namorada bonita e simpática.
Só que o Theo veio um pouco diferente do que ela sonhava. E foi bem difícil, pra ela, entender isso no princípio.
E ela sofreu pelos sonhos perdidos. Até perceber que eles não se perderam…só mudaram.
Então, agora, ela continua sonhando. Só que os sonhos são diferentes.
Ela ainda sonha com o Theo nadando, mas sem a touca (já que ele odeia coisas na cabeça!).
Ela não sonha mais com o Theo fazendo intercâmbio: sonha com ele feliz e aceito na escola.
Ela não sonha mais com o Theo declamando uma poesia: sonha, simplesmente, com o Theo falando. Conversando.
E ela não sonha mais com uma namorada para o Theo. Sonha com um Theo independente, feliz e cercado de pessoas que o amam e o admiram.
Ela sonha com um mundo diferente, melhor e mais inclusivo, pra todos aqueles que são considerados “diferentes”.
E, enfim, ela percebe que a vida se parece muito com as redações que ela escrevia na escola: não há rascunhos. É escrita a caneta, a cada dia, sem possibilidade de revisão. Os sonhos, ao contrário, são escritos a lápis: podem ser revisitados e reescritos quantas vezes forem necessárias.
Imagem: Shutterstock
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