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Lya Luft e o politicamente correto

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Como todos já devem saber, Lya Luft escreveu, em sua coluna em uma revista de circulação nacional, um texto onde discorre sobre os assassinatos de Newtown. Sinceramente, não tenho mais o que dizer sobre esse assunto…se ela tivesse parado nele.

Mas Lya Luft fez menção à inclusão escolar e, sutilmente, à lei recentemente sancionada por Dilma Roussef, que reforça a necessidade das crianças autistas serem incluídas nas escolas regulares. “O politicamente correto agora é a inclusão geral, significando também que crianças com deficiência devem ser forçadas (na minha opinião) a frequentar escolas dos ditos “normais“ (também não gosto da palavra), muitas vezes não só perturbando a turma, mas afligindo a criança, que tem de se adaptar e agir para além de seus limites — dentro dos quais poderia se sentir bem, confortável, feliz”, afirma.

“Politicamente correto” é coisa chata, só que não. Já repararam que, na maioria dos casos, quem reclama do politicamente correto é branco, heterossexual, neurotípico e não pertence a nenhuma minoria? Incrível isso!

E esse argumento, hein?! Que as crianças com deficiências vão ser “forçadas” a frequentar a escola regular? E terão que se adaptar e “agir para além dos seus limites”? Pôxa, Lya! Tenho que dizer que faltou originalidade aí! Esse foi exatamente o argumento usado por muitos conservadores, nos EUA, quando começou a discutir-se o fim das escolas para brancos e para negros. Que “isso seria ruim para os negros, que sofreriam muita discriminação se frequentassem as mesmas escolas dos brancos”.

Ohhhhh! Esse, também, é um argumento parecido com o dos que dizem que “mulher não deve mostrar demais o corpo para não correr o risco de ser estuprada”.

Pois aí é que está a questão: para vivermos bem em sociedade, o segredo é ensinar as pessoas a não serem racistas, os homens a respeitarem as mulheres e todos a respeitarem e aceitarem as pessoas com deficiência!

E, para encerrar, a escola é o lugar onde TODOS têm que se adaptar. As crianças educadas, as bagunceiras, as mais e menos inteligentes. É na escola que se molda o indivíduo para conviver com os demais. E é agindo além dos limites que superamos nossas dificuldades.

Não vai ser diferente com nossos filhos. É adaptando-os ao convívio social – e adaptando a sociedade a eles – que terão alguma chance de se tornarem independentes e produtivos no futuro.

Portanto, sinto muito dizer que nossos filhos vão, sim, continuar “perturbando” a turma. E a sociedade. Até que tenhamos um país realmente inclusivo, que saiba conviver com as diferenças e aprender com elas.  

Segue o texto completo de Lya Luft. Se você quiser enviar uma carta à Veja sobre essa matéria, use o email veja@abril.com.br.  

O ano das criancinhas mortas

| Lya Luft | Veja | 31/12/2012 |

Ao contrário do habitual, não escrevo sobre projetos, sonhos, depressões e culpas que para muitas pessoas caracterizam as festas de fim de ano. Não sou qualificada a falar do tema que elegi, a não ser como observadora das nossas glórias e misérias humanas: mas às vezes não dá para calar. Refiro-me ao que, tendo ocorrido há duas semanas, ainda me faz arrepiar a raiz dos cabelos: mais uma carnificina nos Estados Unidos, mais um demente solto a fuzilar gente inocente. Nesse caso, vinte criancinhas de 6 e 7 anos, e suas professoras (antes, a mãe do assassino).

Já ocorreu neste nosso Brasil, embora, que eu saiba, uma vez ou duas, em uma escola no Rio, em um cinema em São Paulo. Já ocorreu numa escola na civilizadíssima Escócia e na mais civilizada ainda Noruega, onde um insano matou dezenas de jovens numa ilha sossegada.   S

e nos Estados Unidos são frequentes essas matanças, por aqui morremos todos os dias nas ruas, nas casas, a tragédia é cotidiana: morremos mais aqui do que em qualquer guerra. Não sei se há muito a fazer, cada país tem suas características próprias, mas no caso dessas carnificinas por um desequilibrado deverá ser algo cirúrgico, rigoroso, ainda que sendo humano.

Escapando de jogos políticos e outros interesses, o que é quase impossível, sobrepondo-se ao lastimável politicamente correto, o que exige coragem. Primeiro, precisamos de rigor no controle de armas. No Brasil e em outros países onde o narcotráfico é forte, a miséria grande e os vícios quase incontroláveis, compram-se armas de fogo por alguns trocados em qualquer beira de favela ou embaixo dos viadutos.

Mesmo nos Estados Unidos, que mal saem do choque pela morte das crianças — um policial que chegou primeiro ao local, tendo servido em duas guerras, disse nunca ter visto carnificina igual à executada naqueles corpinhos — há quem batalhe duramente em favor do uso de armas. Teria a ver com liberdade, “qualquer cidadão tem de poder possuir armas para se defender“. Obama, na ocasião, indagou se a liberdade valeria tantas mortes. A arma usada pelo criminoso era de guerra, mas, segundo comerciantes, é uma das mais vendidas no país.

Talvez seja uma pergunta ingênua, mas não seria melhor controlar isso de que precisamos nos defender em lugar de favorecer que qualquer um adquira armas pesadas?  

Segundo, precisamos, sim, rever em toda parte nossos conceitos, leis e preconceitos quanto a doenças mentais. O politicamente correto agora é a inclusão geral, significando também que crianças com deficiência devem ser forçadas (na minha opinião) a frequentar escolas dos ditos “normais“ (também não gosto da palavra), muitas vezes não só perturbando a turma, mas afligindo a criança, que tem de se adaptar e agir para além de seus limites — dentro dos quais poderia se sentir bem, confortável, feliz.  

Pessoas com qualquer tipo de transtorno mental devem ser cuidadas conforme a gravidade de sua perturbação, que pode ser leve ou chegar a estados perigosos para si mesmas ou para os demais — o que na maioria das vezes irrompe ou se agrava no fim da adolescência. Mas em geral, pela tremenda dor de termos um filho ou filha com tais problemas, fingimos que nada ali é “anormal“ (detesto essa palavra também).  

É feio levar ao médico a criança com transtornos psiquiátricos, porque é feio desconfiar que um filho ou filha tem esse tipo de “problema“: é mais feio ainda aceitar tratamento (“remédios fazem mal“, “vacina me deixa doente”, “anticoncepcionais me atacam os nervos“).

Pior que tudo, pensar em colocar mesmo nas melhores clínicas quem já não tem condições de viver e conviver com os outros na escola, na rua e até em casa. Parece ter sido o caso do jovem Herodes americano, que a mãe protegeu até onde foi possível, mas que, depois de a liquidar com vários tiros de arma pesada na cabeça, chacinou vinte inocentes criancinhas e seis professoras. Ao fim e ao cabo, chegando a polícia para interromper sua faina mortal, o rapaz se suicidou. Por alguns momentos, breves, o mundo respirou em relativa paz.    

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