“Quando eu era criança, eu era autista. E, quando você é autista, não é abuso. É terapia. “
“Comportamento não é comunicação. É algo para ser controlado.” (ironia)
~ Julia Bascom, autista adulta
Sentimentos direcionam comportamentos. Um bom terapeuta sabe que não adianta tentar modificar a consequência sem avaliar a causa. Um bom terapeuta. Qual a obsessão em “limpar as estereotipias” de uma criança autista?
Rafael (nome fictício) acabou de ser diagnosticado com autismo. Ainda não completou dois anos. Em uma das primeiras reuniões que sua mãe teve com a terapeuta comportamental, ela lhe mostrou uma tabela com o número de vezes em que Rafael balançou as mãos, se balançou na cadeira, bateu no peito. E disse que o objetivo é diminuir esses comportamentos. Rafael não faz contato visual, não segue comandos verbais, não olha quando é chamado pelo nome, mas o mais importante para a terapeuta é que ele pareça menos autista.
Sentimentos direcionam comportamentos. Estereotipias podem ser usadas para auto regulação. Alguns autistas chegam a citar que pensam melhor ou produzem melhor durante as estereotipias. É como muitos se organizam.
Lendo blogs de pessoas autistas, achei vários relatos de estereotipias inócuas que, quando retiradas à força, foram substituídas por auto agressão ou TOC.
Se a estereotipia está atrapalhando a criança de fazer algo importante, então, sim, é importante que ela aprenda a hora de interromper, mesmo que momentaneamente. Se a estereotipia pode fazer algum dano (como a recente “voz de monstro” que o Theo inventou, e que pode machucar as cordas vocais), sim, devemos pensar em uma forma de remediar isso. Talvez, dando à criança outra forma para que se estimule ou se regule sem problemas. Se a criança só quer passar o dia na estereotipia, devemos ajudá-la, com amor e paciência, a aumentar seu rol de interesses. Claro! Mas focar em “limpar estereotipias” como uma forma de normatizar a criança é ignorar totalmente a voz dos autistas. É ignorar as novas descobertas sobre como as emoções agem sobre os comportamentos. É maquiar a realidade. É, em alguns casos, uma violência emocional.
Imagem: creative commons (http://bit.ly/1BScLPG)
Fico feliz de ver que o ABA evoluiu em vários aspectos. O ABA inicial usava inclusive punição (sim, isso existia!).
Theo já aprendeu muita coisa com o ABA mais moderno. E continua aprendendo. Mas nem todo terapeuta entendeu esta mudança ainda! Muitos ainda resumem o uso do ABA à mesinha, ao aprendizado duro que fica difícil de transportar para o mundo real, a uma rigidez que beira à tortura, principalmente para as criancinhas menores.
A evolução inclui sair um pouco do “estímulo-resposta” e compreender melhor as descobertas recentes sobre emoções e pensamentos dos autistas. E, também, sobre as necessidades sensoriais que eles têm. Esses fatores não são tão facilmente observáveis, mas estão ali, refletindo-se nos comportamentos. Basta ter sensibilidade e paciência.
A verdade é que estereotipias são inadequadas socialmente. Elas “entregam” que a criança tem algo de diferente. Sim, porque todos temos estereotipias: eu balanço o pé. Tem gente que enrola o cabelo com o dedo. Outros balançam a caneta entre os dedos. Mas uma criança que pula quando está feliz, balança as mãos na frente do rosto ou se balança é estranha! É esquisita! “Vai sofrer bullying”!
Por que, de verdade, queremos que nosso filho pareça “menos autista” aos olhos dos outros?
Eu ainda acredito em trabalhar a diferença na cabeça das pessoas para que nossos filhos sejam aceitos com suas peculiaridades. Eu ainda acredito. Ainda.
Só para encerrar: criança feliz aprende. Criança motivada aprende. Se o seu filho ou filha chora quando vê a/o terapeuta, melhor repensar.
Andréa (mãe do Theo, sempre).
Mãos Quietas
1. Quando eu era criança, eles seguraram a minha mão numa cola estranha enquanto eu chorava.
2. Eu sou bem maior que eles agora. Ando pelo corredor para uma reunião, e minha mão escapa na direção da parede para sentir sua textura enquanto eu passo. “Mãos quietas”, eu sussuro. Minha mão cai ao lado do corpo.
3. Em uma classe de crianças não verbais, a frase mais comum é uma metáfora. “Mãos quietas!” Um aluno empurra um pedaço de papel, balança suas mãos, finca os dedos na palma, cutuca um lápis, esfrega suas palmas no cabelo. Silêncio, até: “Mãos quietas!” Eu ainda estou pra conhecer um aluno que não aprendeu a instintivamente recuar e colocar as mãos no colo com essa ordem.
4. Quando eu era criança, eu era autista. E, quando você é autista, não é abuso. É terapia.
5. As mãos são, por definição, quietas. Elas não podem falar, assim como metade desses alunos… (Comportamento é comunicação.) (Não poder falar não significa não ter nada a dizer) As coisas, aos poucos, começam a fazer muito mais sentido.
6. Terra pode ler as minhas mãos balançando melhor que o meu rosto. “Você tem um movimento pra cada coisa,” ela diz, e eu queria que todo mundo pudesse olhar para as minhas mãos e ver “eu preciso que você vá mais devagar” ou “isso é a melhor coisa do mundo”ou “posso, por favor, tocar” ou “estou com tanta fome” ou “acho que meu cérebro está se auto digerindo”. Mas se eles virem as minhas mãos, eu não estou segura. “Eles vêem as suas mãos,” minha irmã diz, “e você pode muito bem estar girando as mãos quando tudo o que está dizendo é “essa comida é bem gostosa”.
7. Quando estávamos no ensino médio, uma girada acidental de mão da minha parte deu ao meu outro amigo autista ataques de pânico.
8. Me disseram que eu tenho uma fixação manual. Minhas mãos são um dos poucos lugares do meu corpo que eu normalmente reconheço como meus de verdade, posso sentir, e posso ocasionalmente controlar. Sou fascinada por elas. Eu poderia estudá-las por horas. Elas são bonitas de uma forma que me fazem entender o real significado da beleza. Minhas mãos sabem coisas que o resto de mim não sabe. Elas digitam palavras, frases, estórias, mundos que eu não sabia que eu conhecia. Elas se lembram de senhas e sequências que eu nem me lembro de precisar. Elas me contam o que eu penso, o que eu sei, o que eu lembro. Elas nem sempre precisam de um teclado pra isso. Minhas mão dão um feedback automático, de tocar e sentir simultaneamente. Eu sinto que entendi o mundo inteiro quando eu esfrego as pontas dos meus dedos umas nas outras. Quando eu chego em um lugar novo, meus dedos tocam as paredes, as mesas, os balcões. Eles roçam o papel e me fazem rir, eles se pressionam entre eles e me lembram de que sou real, eles batem e produzem som para me lembrar de causa e efeito. Meus dedos mapeiam um mundo e o fazem real. Minhas mãos são mais do que eu sou.
9. Mas eu devo ter mãos quietas.
10. Eu sei. Eu sei. Alguém que não fala não precisa ser ouvido. Eu sei. Comportamento não é comunicação. É algo para ser controlado. Eu sei. Balançar suas mãos não significa nada pra você, então não significa nada pra mim. Eu sei. Eu posso controlar isso. Eu sei. Se eu apenas pudesse me segurar, você não teria que fazer isso. Eu sei. Eles ensinam no ABA, no treinamento de professores de crianças com deficiências, que o mais importante, mais básico, mais fundamental é o controle do comportamento. A educação de uma criança não pode começar até que ela esteja “pronta para a mesa”. Eu sei. Eu preciso silenciar meu mais confiável meio de compilar, processar e expressar informação, eu preciso me esforçar mais para controlar, matar, reduzir e remover a mim mesma a cada segundo do que você jamais poderia entender, eu preciso ter mãos quietas, porque até que eu me mova 97% na sua direção você não consegue ver que há 3% de espaço para que você se mova até mim. Eu sei. Eu preciso ter mãos quietas. Eu sei. Eu sei.
11. Tem um garoto no supermercado se balançando sobre os calcanhares e chacoalhando as mãos animadamente em frente a uma vitrine. Sua mãe sussurra “mãos quietas!” e olha em volta, constrangida. Eu olho pra ele, e eu não posso evitar, mas minhas mãos se agitam ao lado do corpo quando ele está olhando. (Balançar as mãos é a nova forma dos “terroristas” se identificarem.)
12. Deixe-me ser extremamente clara: se você segurar as minhas mãos, se você segurar as mãos de uma pessoa com atraso no desenvolvimento, se você ensinar “mãos quietas”, se você trabalhar para eliminar “sintomas autísticos” e “comportamentos de auto estimulação”, se você tirar a nossa voz, se você… se você… se você…
13. Aí eu… Eu… .
(tradução livre de partes do texto “Quiet Hands” de Julia Bascom, autista adulta que escreve o blog “Just Stimming”. Leia o texto completo em inglês AQUI).
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