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Matando leões todos os dias

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“Não deseje que fosse mais fácil. Deseje que você fosse melhor” – Jim Rohn

Eu estava aqui, pensando, como várias coisas são mais difíceis pra quem é mãe de crianças com necessidades especiais.

Muitas vezes, a gente ouve de mães de crianças neurotípicas coisas como “mas eu também não sei como vai ser o futuro do meu filho”, “eu também tenho várias angústias com relação ao meu menino”. Sim, faz sentido. Mas, mesmo assim, devo dizer que o nosso caminho tem um pouco mais de pedras.

E, aqui vão algumas das dificuldades que as mães que me escrevem relatam:

  1. Mulher, em geral, tem essa coisa chamada de “instinto maternal”. Isso faz com que a gente queira proteger não só o filho, mas todo mundo que a gente ama. Portando, cada vez que você vê o marido chorar ou se desesperar, você sente um ímpeto de engolir o próprio choro e abafar os próprios sentimentos pra que aquela pessoa também possa se apoiar em você. Isso não é nem um pouco fácil.

  2. Além de pesquisar, tentar entender e escolher o que você considera o melhor tipo de intervenção para o seu filho, você tem que convencer toda a família de que isso faz sentido. Porque é claro que a família também fez a própria pesquisa (todo mundo vira expert em Google nos tempos de diagnóstico de autismo). E a família, por consequência, formou as próprias opiniões. E não é raro que elas não batam com as suas.

  3. Temos que lutar, diariamente, com a culpa. Já falei disso no post do “e se“. Gente, como temos culpa! Sai uma matéria falando que mães obesas dão mais luz a filhos autistas e a gente quer se matar por cada sorvete que tomou durante a gravidez! E, quando a gente acha que está aprendendo a lidar melhor com ela, aparece uma psicanalista, em um veículo como a Folha de São Paulo, ressuscitando aquela asneira da teoria da “mãe geladeira”!! Se você não viu isso (e a discussão que se formou, a seguir, com as mães de autistas), clique aqui.

  4. Muitas mães optam por parar de trabalhar. Abrem mão da satisfação profissional (e de uma certa folga financeira) para poderem assistir os filhos mais de perto. As que não podem fazer isso – porque, como eu, precisam colocar dinheiro em casa – sentem culpa, culpa, culpa…

  5. E você estica o dinheiro daqui, estica dali, pega um empréstimo com o pai, tudo pra poder pagar todas as terapias e intervenções que considera essenciais ao seu filho. Porque, afinal de contas, o Estado não dá nenhum tratamento decente de graça e os planos de saúde tem um limite baixíssimo de cobertura.

  6. Sabemos que praticamente nenhuma escola está preparada para lidar com crianças autistas. Por isso, muitas mães se capacitam, capacitam as tutoras escolares dos filhos, as professoras, a diretoria, e ainda adaptam, por conta própria, todo o material didático dos filhos.

  7. Como nossos filhos não tem nenhuma característica física que denuncie uma necessidade especial, ainda temos que ficar explicando às pessoas que aquela cena que viram no shopping não é falta de educação: é autismo mesmo. (Pelo menos, dessa aí, eu já consegui abstrair. Quer olhar, fique à vontade. Não me incomodo nem um pouco).

  8. Lidamos com uma incerteza terrível: quem vai cuidar ou olhar pelos nossos filhos quando não estivermos mais aqui? O que fazer? Nos Estados Unidos, já há as chamadas “residências assistidas”. Como anda isso por aqui? Qual a melhor forma de garantir o futuro financeiro do filho?

  9. Temos que lidar com a própria incapacidade de entender os desejos dos filhos, saber brincar apropriadamente com eles, ser mãe e terapeuta ao mesmo tempo.

  10. E, enquanto isso, a vida não para. Temos todos os outros problemas que todo mundo tem, como parentes próximos que ficam doentes.

 Não é fácil mesmo. Mas, olha: aquela frase lá no início me fez pensar muito. “Não deseje que fosse mais fácil. Deseje que você fosse melhor”. O que eu poderia fazer melhor do que estou fazendo atualmente? O que poderia ser mais fácil se eu fizesse de outra maneira? Tenho tentado fazer esse exercício também. E tem outra coisa importante. Tudo, mas TUDO isso que eu falei acima vira nada no momento em que estou colocando a meia naquele pézinho miúdo, tão delicado, preparando o meu menininho pra ir à escola. E quando ele me dá um beijo de boca aberta antes de sair. E é nessas horas que eu me fortaleço. E, daí, podem vir leões, elefantes, um King Kong: mato todos! E você? Quais os leões que tem aparecido por aí?

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