“Os cães são o nosso elo com o paraíso. Eles não conhecem a maldade, a inveja ou o descontentamento. Sentar-se com um cão ao pé de uma colina numa linda tarde é voltar ao Éden, onde ficar sem fazer nada não era tédio, era paz.” (Milan Kundera)
Um pacotinho cheio de amor
O sítio onde Lola nasceu fica a duas horas de carro de Londres, bem no meio de uma zona praticamente rural. Fomos a primeira vez visitá-la para sermos entrevistados pela criadora como possíveis compradores. Após a aprovação, combinamos a data para buscá-la de vez.
Duas semanas depois, lá fomos nós. Na volta, acomodei-me no banco de trás com ela e com um rapazinho curioso, mas também receoso com a novidade que se aconchegava a seu lado: uma bolinha de pelo quente que se mexia constantemente, procurando a melhor posição para dormir.
Ele evitou tocá-la. Ela ignorou a rejeição. Apaixonou-se por ele desde o primeiro dia. Tentava enfiar-se no vão entre seu cadeirão e o banco para ficar mais junto dele.
A primeira noite de Lola em casa não foi em casa. Às onze da noite, um barulho nos chamou a atenção no andar de cima. Um cano estourou no teto, acima do banheiro, transformando-o em um pântano. A água escorreu sem dó nem piedade e alagou toda a cozinha e a sala no andar de baixo. Sentada na sala molhada, com os pés pra cima do sofá – e com a pequena dormindo ao meu lado – , procurei no Google “pet friendly hotels in London” (hotéis que aceitam animais em Londres). E foi em um deles que passamos nossa primeira noite como uma família composta por quatro “pessoas”.
Theo demorou vários dias para ter coragem de tocar Lola pela primeira vez. Foi quando eu, a mãe aflita, percebi uma alternativa: sugeri que ele a tocasse com o pé. E ele, imediatamente, o fez. Aos poucos, foi perdendo o medo de senti-la, também, com as mãos. Foi curtindo o pelo fofinho e macio.
Só não curtiu as mordidas de dentes finíssimos que ela lhe dava com frequência, coisa normal pra um cachorrinho que está na fase de troca. Uma adestradora deu várias dicas e conseguimos, com sucesso, contornar esse problema inicial. As roupas que ela furou? Bem, essas não tiveram conserto mesmo. 🙂
E já faz um ano que Theo aprendeu a falar “oua”. Ele, o garotinho que só falava “mamã” e “má”. Faz um ano que aprendemos que um cachorro novinho é como um bebê recém chegado da maternidade: você morre de amores, mas também sofre. Você para, às vezes, pra pensar “onde é que eu estava com a cabeça”. Você acha que não vai dar conta de tudo: da casa, do outro filho, dos xixis no tapete, das mordidas. Você procura por pessoas com a mesma raça na internet e descobre, aliviada, que é normal pensar que não vai dar certo, que tem algo de errado com a energia inesgotável do seu bichinho, e que você comprou o único “Golden Retriever maléfico” do planeta Terra. Assim como com o bebê novinho, todos te dizem “vai passar, isso é uma fase, depois eles se acalmam”.
E todo mundo tem razão. A fase dos dentes passou sem que o Theo criasse rejeição à Lola. Tudo graças às técnicas que eu pesquisei bastante (como encerrar qualquer brincadeira assim que ela mordesse). Se nos comprometermos a educar, o xixi fora de lugar passa mais rápido ainda.
E o amor só cresce. O companheirismo floresce. Lola é uma irmã para o Theo. Como todo irmão, ele briga com ela de vez em quando. É que ela não tem muito desconfiômetro e, quando resolve que quer brincar com ele, não desiste muito fácil. Isso tem forçado o Theo a sair um pouco do casulo e do movimento repetitivo. E tem estimulado nosso garotinho a pensar e bolar estratégias até pra se livrar dela (como eu já o vi fazendo várias vezes, ao jogar longe um brinquedo para que ela vá buscá-lo e saia de perto um pouco).
Lola só trouxe ganhos. Roupas furadas não são nada perto do amor incondicional que ela demonstra por toda a família.
O olhar mais doce do mundo
Cachorros são seres peludos que transbordam amor. Cachorros são membros da família. Portanto, se você se empolgou e quer trazer um peludinho pra casa, a primeira coisa que eu te digo é: não se empolgue. Essa decisão é muito séria e muito importante. Pese todos os prós e contras do mundo. Dá trabalho, gasta dinheiro, faz sujeira, tem que educar. Se você não está disposto ou não tem tempo, melhor deixar pra lá. Porque a pior coisa que se pode fazer no mundo é “doar” ou abandonar o cachorro depois dizendo que “não deu certo”.
Por favor, POR FAVOR, não compre ou adote um cachorro na empolgação! Quer mesmo? Tem certeza? Um adestrador pode ser importante, principalmente se você tem uma criança autista. Aprender a lidar com a fase das mordidas é crucial para que seu filho não crie birra ou rejeição com relação ao bichinho.
Não tem condições de contratar um adestrador? Há livros bons, como o Adestramento Inteligente, do Alexandre Rossi, que podem te dar um norte. Na internet também tem muita coisa legal para tirar dúvidas e orientar. Um exemplo é o blog Mãe de Cachorro.
Passou por tudo isso? Aproveite. Ame. Faça carinho, deixe ele se apoiar no seu colo, tire muitas fotos, faça muitos vídeos. Ria e chore com as interações entre ele e seus filhos.
Como diz a frase lá em cima do texto, ficar ao lado de um cachorro olhando a paisagem não é tédio. É paz.
P.S: Veja, abaixo, o vídeo com a retrospectiva desse ano!
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