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Tente imaginar…

Aqui vai a tradução livre de um texto da escritora e blogueira Ariane Zurcher, encaminhado a mim pela Silvia Ruiz.

E doeu muito ler. Doeu porque lembrei de todas as vezes em que falei do Theo como se ele não estivesse ali, e de todas as vezes em que vi ele tentar se aproximar de outras crianças e não saber o que fazer.

Um bom exercício para entendermos melhor nossos filhos e mudarmos alguns comportamentos.


Imagem: Shutterstock

Imagem: Shutterstock


Tente imaginar

Imagine…

Imagine se, desde o momento em que você nascesse, cada aspecto do seu ser fosse avaliado e estudado com um olhar crítico. Imagine se quem você é, o jeito que você fala, se move ou se comporta fosse visto como errado e precisando de conserto. Imagine se, desde muito cedo, as pessoas falassem sobre você, na sua frente, como se você não pudesse ouvi-las. Imagine se, mesmo sem entender tudo, você entendesse as emoções por trás das palavras, o desapontamento, o medo, a raiva, mas você não tivesse idéia do porquê. Imagine como isso te faria sentir. Agora, imagine como você se sentiria se entendesse cada palavra dita, mas não pudesse falar ou fazer os outros saberem que você entendia. Imagine como você se sentiria se crescesse acreditando que a sua existência causava aos outros desconforto, dor e tristeza.

Imagine se, quando criança, você fosse agredido pela luz, pelo toque, cheiros e gostos – coisas que não causam dor às outras pessoas, mas que fariam sua vida quase insuportável. Imagine se você, também, pudesse sentir intensamente a energia das pessoas, mas ficasse frequentemente confuso e sobrecarregado por esses sentimentos. Imagine se, quando você chorasse de angústia, você fosse recebido com raiva ou te fosse dito que nada estava errado e que parasse de se comportar dessa forma. Imagine como você se sentiria se, depois de, finalmente, achar as palavras certas e as falar, as pessoas te entendessem mal, ficassem bravas ou te falassem que o tom que você usou foi inapropriado ou o volume que você falou foi muito alto ou muito baixo. Imagine se tentasse com todas as suas forças falar como te ensinaram, mas não importa o quanto tentasse, você nunca parecesse acertar. Imagine como isso seria.

Tente imaginar como se sentiria se você juntasse muita coragem para se aproximar de outro ser humano só para ser evitado, zoado ou mandado embora. Imagine como seria se quisesse ter amigos e brincar de encontros e dormir fora, mas você não tivesse nenhum. Imagine se tentasse fazer amigos, mas não importa o quanto você tentasse, nenhum quisesse passar tempo com você, e você não soubesse o porquê. E se as suas tentativas de parecer amigável fossem vistas como atos de hostilidade? E se você batesse no ombro de alguém – porque viu amigos fazerem isso e eles sempre riam- mas, quando você o fizesse, você fosse levado para a sala do diretor, advertido e ameaçado de expulsão? Como isso te faria sentir? E como seria se você se juntasse a uma roda de conversa, mas no minuto em que você dissesse algo, todos parassem de falar e olhassem pra você com cara de surpresa, ou pior, incômodo ou até raiva? Como isso te faria sentir?

Tente imaginar como seria se as coisas que te trazem alegria fossem ridicularizadas ou tiradas de você. Imagine se você adorasse pular, porque esse movimento te fazia sentir feliz e calmo, mas se você desse pulos, você fosse punido. Apenas imagine como seria se as coisas que você acha fascinantes virassem piada para os outros ou fossem vistas como estranhas. Agora, imagine se você fosse incapaz de fazer as palavras se formarem na sua boca para que você pudesse dizer qualquer coisa para explicar ou protestar. Ou imagine se você pudesse falar, mas quando você falasse, suas palavras parecessem aborrecer as pessoas e você fosse punido. Como você se sentiria se as pessoas que têm poder sobre você te dissessem que iriam te internar se você não se comportasse, e você nem se lembrasse como é que devia se comportar? Tome um momento para realmente imaginar como se sentiria. Imagine como deve ser precisar de ajuda, ter que depender das pessoas e essas pessoas te machucarem, te traírem e ficarem bravas com você.

Imagine como você se sentiria se os experts falassem da sua neurologia como deficiente. Imagine como seria se te dissessem que você é incapaz de sentir emoções e não pode entender seus colegas humanos. E, quando você discordasse, as pessoas dissessem que era impossível ter uma conversa “racional” com você.  E, quando você descrevesse o quão doloroso era olhar nos olhos das pessoas – porque era como olhar dentro de suas almas- , e que isso era muito pesado e você não podia mais ouvir o que elas estavam dizendo, ou que quando as pessoas te abraçavam, isso fazia sua pele formigar, ou que o cheiro que emanava de outra pessoa era tão forte que você se sentia mal, você fosse acusado de ser manipulador e as pessoas te exigissem fazer isso de qualquer forma. Imagine como você se sentiria se essas mesmas pessoas dissessem que você era difícil e grosseiro quando você as confrontasse com sua própria insensibilidade. Apenas imagine como você se sentiria se você lesse e ouvisse pessoas que nunca te conheceram dizerem como pessoas como você são violentas e devem ser temidas, mesmo que a única pessoa que você já tenha machucado seja você mesmo. Imagine como seria ser dispensado e silenciado várias vezes em seguida. Apenas tente imaginar como deve ser isso.

Tente.

Tente imaginar o que é ser autista.

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