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A linda arte de treinar cães de assistência

Tanto em Londres quanto em Estocolmo, descobri que os cães de assistência podem acompanhar sua criança ou adulto em qualquer ambiente. É um trabalho extremamente sério e respeitado por aqui.

Mas, afinal, pra que serve um cão de assistência? É a mesma coisa que cão terapeuta? E como eles podem ajudar uma criança autista ou com outra deficiência? Para responder essas e mais dúvidas, bati um papo com a Rocio Marin e o Hugo Cardeña, da Bocalán Brasil, pioneiros no trabalho de cães de assistência no Brasil, e que estiveram presentes no Pupanique deste ano em São Paulo!


Hugo, Rocio, X (mais clarinha) e Y (marrom)

Hugo, Rocio, Pamplinas (labradora clarinha) e Kala (marrom)


1) Como começou a Bocalán?

A Bocalán foi fundada em 1990 em Madrid (Espanha) por Teo Mariscal, diretor da Bocalán Espanha e Internacional. Há 20 anos na Espanha, a única fundação dedicada à formação de cães de assistência era a Fundação ONCE (Organização Nacional de Cegos). Mas a Fundação ONCE se dedicava (e dedica) exclusivamente ao treinamento de cães-guia (cães de assistência para pessoas com deficiências visuais). Foi então que alguns treinadores que colaboraram com a Fundação ONCE, incluindo Teo Mariscal, decidiram começar a treinar um cão de serviço que não fosse concebido para ser um cão-guia.

Depois disso, a Bocalán não parou de crescer como uma fundação, sempre com a realização de suas atividades sob uma base científica, o que nos permitiu ter o reconhecimento e certificação da Associação Internacional de Cães de Assistência.

Atualmente, temos dois campos de atividade: a formação de profissionais no treinamento de animais (treinadores de cães de assistência e a formação de profissionais em intervenções assistidas por animais) e a entrega de cães de assistência e implementação de programas de TAA (terapia assistida por animais).

A Bocalán atravessou fronteiras, chegando a ter escritórios na Argentina, Chile, Colômbia, Peru, Guatemala, Uruguai, México, Estados Unidos, Austrália, Japão e Brasil, e várias partes da Espanha.

Curiosidade: O nome Bocalán vem do Agustin Bocalan Manrique de Lara, parente do Teo, um almirante da marinha espanhola, que além de suas realizações como almirante, foi identificado por sempre viajar a bordo de seu barco com um cão de raça “bodeguero andaluz” ou jack russel. De acordo com o almirante Bocalán, a presença do cão ajudava a acalmar a tripulação apesar dos longos períodos a bordo do navio. Bocalán nunca teve um motim a bordo. Pode ter sido um dos primeiros a praticar a terapia assistida por animais sem saber. 

2) Por que resolveram vir para o Brasil?

Depois de formados, Hugo e eu e trabalhamos na Espanha durante anos com tudo relacionado ao mundo canino e tivemos a oportunidade de vir para o Brasil. Vendo o potencial que tinha o país, e as poucas organizações envolvidas tanto com cães de assistência como em terapia, pegamos as malas e decidimos encarar essa grande aventura. Porque a vida é basicamente isso né? Tentar a sorte.

3) Qual a diferença entre um cão terapeuta e um cão de assistência?

O cão de assistência atende pessoas com deficiência física ou sensorial. É uma “ajuda técnica” e, portanto, é tão importante quanto a bengala ou uma cadeira de rodas. Seu objetivo é o de melhorar a qualidade de vida e autonomia dos usuários em seu dia a dia. Convive com seu usuário e o acompanha sempre, e é por isto que seu acesso em lugares públicos é importante (mas não permitido ainda no Brasil) para que possa estar presente em qualquer situação que ocorra com seu protegido.

O cão de terapia intervém dentro de um programa terapêutico ou educativo e, portanto, deve ser capaz de poder interagir e trabalhar com uma ou mais pessoas de cada vez. É outro recurso terapêutico a serviço do profissional para alcançar os objetivos desejados. Este, junto a seu guia, tem que ter recebido um treinamento específico para poder ajudar os terapeutas, psicólogos etc, em seu trabalho de melhorar a saúde de seus pacientes. Com a interferência do cão, buscam-se melhoras concretas em diferentes áreas como: física, social, emocional e/ou cognitiva do indivíduo. Ele não tem acesso permitido a lugares públicos, somente nos centros onde realiza seu trabalho.

4) Qualquer cachorro pode ser treinado para ser cão de assistência? Se não, quais são as raças mais utilizadas e como é o processo de escolha do filhote? Quais as características observadas?

Pela maneira como trabalhamos no Bocalán a resposta seria não. Os nossos cães são selecionados rigorosamente para começar sua fase de treinamento que dura aproximadamente oito meses. Depois deste período os animais serão reavaliados e adaptados ao usuário.  

As raças mais habituais entre os cães de assistência são o labrador retriever e o golden retriever por seu caráter afável, dócil e tranquilo.

Por outro lado, fazemos uma série de testes quando são pequenos. O que avaliamos é: o impulso de seguimento, a relação com outros filhotes da ninhada, vemos como estabelecem as hierarquias, como estabelecem as situações quando existe alguma disputa, se tem predisposição a pegar objetos na boca (sem machucá-los), dentre outros fatores.

5) Quando começa o treinamento do filhote? Dura quanto tempo?

Seu treinamento é realizado em várias etapas. O filhote é, primeiramente, colocado em uma família que cuida de sua socialização e formação inicial, e lhe ensina a obedecer, com a ajuda de treinadores especializados na área, que acompanham de perto tudo o processo.

Depois, o cão começa o treinamento que irá capacitá-lo a ajudar uma pessoa com uma deficiência. Primeiro, é treinado em obediência básica.

No final desse período, os cães já são capazes de responder a comandos muito específicos como, por exemplo, pegar um objeto que tenha caído no chão, trazer objetos (como um telefone), abrir e fechar portas, acender e apagar a luz, ajuda para mover a cadeira de rodas em lugares de difícil acesso, ajudar a despir-se.

Estes cães de ajuda social são treinados durante 8 a 10 meses e, mais tarde, são submetidos a um período de adaptação, segundo as necessidades de seu futuro dono, completando, assim, sua formação em aproximadamente um ano.

6) Para quem está interessado em adquirir um cão de assistência no Brasil, qual o processo? 

O custo do treinamento para a formação de um destes cães pode bem alto, mas nossos cães são entregues de forma gratuita às famílias. Por isso, é indispensável contar com a inestimável colaboração de patrocinadores.

O patrocínio pode ser feito tanto por marcas interessadas em apoiar um projeto social (temos vários exemplos em outros países de marcas de ração de cachorro que ajudam, mas pode ser qualquer outra marca com interesses sociais) como por pessoas físicas (família, amigos…tem algumas famílias que fazem campanha em Facebook ou imprensa, etc).

7) Como o cão de assistência pode beneficiar a criança autista ou com outra deficiência?

Primeiro, precisamos distinguir os diferentes tipos de cães de assistência que existem:

– Cão guia (pessoas cegas ou com deficiência visual)

– Cão ouvinte (pessoas surdas ou com deficiência auditiva)

– Cão de alerta médico (pessoas com diabetes tipo 1)

– Cão de serviço (pessoas em cadeira de rodas ou com mobilidade reduzida)

– Cão de serviço para crianças com autismo

No caso concreto dos cães de serviço para crianças com autismo, são cães adestrados para conviver com crianças afetadas pelo Transtorno de Espectro Autista, tornando-se facilitadores da criança com o entorno e melhorando sua qualidade de vida e a das famílias.

Entre os benefícios deste tipo de cães então temos os seguintes:

  1. Reduzir o risco de condutas de fuga

  2. Redução das condutas estereotipadas 

  3. Ajudam na tolerância aos tempos de espera e tolerância à frustração

  4. Aumentam a interação social e as habilidades sociais

  5. Aumentam a atenção e concentração

  6. Aumentam o contato visual

  7. Aumentam a comunicação verbal e não verbal

  8. Aumentam a aprendizagem

  9. Aumentam a compreensão e o seguimento de instruções

  10. Baixam o stress e a ansiedade

  11. Ajudam na adaptação a novos entornos

  12. Ajudam em problemas nos padrões de sono. Também podem ser utilizados para “bloquear” a criança na cama para que não se mova.

No caso de pessoas com deficiência física, esses cães têm habilidades para recolher objetos do chão, abrir ou fechar portas e gavetas, acender ou apagar luzes, ajudar a despir-se, transferências da cadeira para cama, ajudar em quedas.

8) Para quem não pode ter um cão de assistência, alguma dica para escolher um cão de bom temperamento que seja um bom companheiro para a criança autista ou com outra deficiência?

O mais importante é pensar na responsabilidade que acompanha ter um animal. Eles precisam de muitos cuidados, atividade física e estimulação. É importante pensar também no bem-estar deles!

Quanto ao temperamento, pode ser importante, no caso específico dessas famílias, escolher um animal muito sociável e que goste de ficar com pessoas e agradá-las.  Tranquilo, dócil…Também aconselhamos a trabalhar com algum adestrador (sempre adestradores que trabalhem em positivo) para que esse cão tenha uma boa aprendizagem em obediência básica e possa se tornar um companheiro legal para a família.

Pela maneira como trabalhamos no Bocalán, não consideramos um cão de terapia ou assistência aquele que vive como um animal de estimação. Mas, naturalmente, viver com um animal é altamente benéfico também para toda a família!

10) Por que você (Rocio) se envolveu com esse trabalho?

Meu pai foi diagnosticado com Alzheimer anos atrás. Quando isso aconteceu, comecei a procurar alguma forma de ajudá-lo, algum tipo de terapia para tornar a vida dele melhor. Aí aconteceu o primeiro contato com a Fundação Bocalán na Espanha, e a conexão foi imediata. Eu sou jornalista de formação, e sempre atuei na área de comunicação. Mas, paralelamente, durante toda a minha carreira, dediquei muito tempo ao voluntariado. Estive em Honduras, prestando auxílio a comunidades carentes, e me envolvi com diversas organizações não-governamentais oferecendo meu conhecimento como jornalista. Quando conheci a Bocalán, me apaixonei pela possibilidade de trabalhar com animais, ajudar outras pessoas (incluindo meu pai) e desenvolver um projeto tão inovador.

Quer contribuir para o lindo trabalho da Bocálan Brasil? Entre em contato!

Email: info@bocalanbrasil.com

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