Não. Esse post não é sobre os livros da E.L. James. Melhor já começar avisando. 🙂
Eu gostaria de falar um pouco sobre o nosso maniqueísmo de cada dia. Adoramos dividir tudo e todos em “bons e maus”. Ou é preto ou é branco. Ou é vilão ou é mocinho. E nos esquecemos de que, entre o preto e o branco, existem milhares de tons de cinza.
Até os autores de novela da Globo já perceberam isso! Quem aqui, que acompanha novela, não torceu um pouco pela Carminha? Ou não virou fã do Félix?
Senti isso claramente ao fazer um post, no meu Facebook pessoal, sobre o estado de saúde do piloto Michael Schumacher. Eu disse o seguinte:
“Como toda boa fã de Senna na adolescência, eu tinha birra do Schumacher. Até que… fiquei sabendo que ele adotou uma cadelinha viralata que fez graça pra ele em Interlagos, em 1996. Dizem que ele a levou pro hotel (que não aceitava animais) e até banho de banheira ela tomou. Passou a chamá-la de Floh (pulga) e levou-a com ele. Ela foi companhia constante dele em suas viagens pelo mundo e viveu 15 anos felizes como parte da família. Como não admirar um cara assim? Espero que tudo se resolva da melhor forma pra ele e pra família…”
Schumacher e Floh em Interlagos
O que se sucedeu foram vários comentários, uns dizendo “é, o cara era legal” e outros dizendo “não gosto dele porque comemorou a vitória quando o Senna morreu” e coisas similares. Uma pessoa chegou a dizer “não curto essa coisa de quem morre vira santo”. Nem eu. Mas eu não disse, em momento algum, que o cara era santo. Admito, até, que ele teve momentos infelizes como pessoa e profissional. Mas quem nunca teve? Logo em seguida, veio uma matéria no Estadão contando o seguinte:
“Schumacher, o mau caráter: Embaixador da UNESCO, doou US$1,5 milhões para projetos ligados a educação e ao esporte. Financiou, sozinho, a construção de uma escola para crianças pobres de Senegal, além de contribuir para melhorias da própria cidade de Dakar. Também sozinho, construiu um hospital especializado em amputados para apoiar as vítimas da guerra de Sarajevo. Em Lima, no Peru, fez o “Palácio para os pobres”, centro de ajuda para as crianças de rua, com alimentação, educação, cuidados médicos, roupas e abrigo. Para as vítimas do tsunami que atingiu a Ásia em 2004 foram US$10 milhões, a maior doação individual. Para a Fundação William J. Clinton, em prol de crianças com HIV, malária e pobreza foram mais US$5 milhões. Para as enchentes que alastraram a costa européia, mais US$1 milhão. Em meados de 90, adotou um cachorro vira-lata que vagava por Interlagos na época do Grande Prêmio do Brasil, isso muito antes de se engajar em campanhas em defesa dos animais. Mas vamos julga-lo por uma atitude errada (e punida) a 150 km/h quando ainda jovem e disputando um mundial, decidindo o que fazer em 0,23 segundos. Força, Schumacher!”
Se você leu até aqui, mais uma advertência: o post também não é sobre o Schumacher! Mas, pra fazer meu ponto, será que toda a vida do cara fica invalidada por algumas pisadas na bola? Não. Ele não é santo. Mas também está longe de ser um demônio.
E, agora, chego ao que realmente queria dizer. Tenho tido a impressão de que a grande “família azul”, como alguns gostam de chamar, se divide entre os que acham o autismo uma bênção e os que acham uma maldição. Os que dizem que autismo é só um jeitinho diferente de ser e os que acreditam que é doença e precisa de cura. Será que o autismo tem que ser totalmente bom ou totalmente ruim?
Li, ano passado, um texto em que uma mãe dizia algo como “se alguém diz que autismo é bênção está mentindo” (ou se enganando, ou algo assim). Será que estamos falando de algo que alcançou a escala 100% de negritude no nosso pantone?
Vamos lá…descobrir o autismo do meu filho foi a maior dor da minha vida? SIM. Perder o filho idealizado doeu na alma? SIM. Ter medo pelo futuro do meu filho e ver alguns planos irem por água abaixo é muito difícil? SIM. Ter que, praticamente, fazer jiu-jitsu pra conseguir colocar um sapato novo nele é terrível? SIM. Mas… Sou uma pessoa melhor depois de tudo isso? SIM. Aprendi a ser feliz com menos? SIM. Aprendi a comemorar o que muita gente nem percebe? SIM. Aprendi a ver a vida por outro ângulo? SIM. Transformei tudo isso em uma forma de ajudar as pessoas? SIM. Então, como eu posso negar que o autismo, em certos aspectos, foi uma bênção na minha vida?
De qualquer forma, tem dias em que o pantone puxa pro lado mais escuro. Tem dias em que tudo é cinza clarinho. Até passei a concordar com quem fala em “autismos”. Não existe um padrão!
Um pai de um autista leve com inteligência acima da média, naturalmente, vai enxergar mais os tons claros. Uma mãe de autista severo que ainda usa fraldas aos 25 anos de idade, se agride e agride os outros, tende a ver os tons mais escuros.
Maniqueísmo não é legal. Se enxergarmos o autismo somente como algo ruim, como uma maldição, não teremos esperança, não seremos felizes, não teremos forças nem para enxergar as potencialidades de nossos filhos gritando, ali, na nossa frente. Não veremos o filho por trás do autismo, e isso é bem grave.
Se o virmos somente como algo maravilhoso 100% do tempo, podemos fechar os olhos para algumas dificuldades de nossos filhos e para as necessidades de tantos outros filhos por aí. Podemos soar, pra muita gente, arrogantes e fora da realidade. É sempre bom lembrar: entre o preto e o branco, existem diversos tons de cinza.
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