Você, provavelmente, lembra bem desta cena: o médico te diz que seu filho é autista. Explica os sintomas, fala de próximos passos com relação às intervenções enquanto você cai naquele buraco sem fundo e sente que o chão sumiu debaixo da cadeira. E uma das primeiras perguntas que sai da sua boca, quando você finalmente consegue se manifestar é: “doutor, ele vai falar?”. A resposta, na maioria das vezes, é “infelizmente, não temos como saber”.
Lembro-me de fazer esta pergunta ao médico que diagnosticou o Theo e à fono com quem ele começou a intervenção. Ambos foram evasivos. E, hoje, consigo entender o porquê: é muito difícil prever como vai progredir a fala de uma criança – quase bebê – de dois anos que acabou de ser diagnosticada como autista.
Até os 3 anos, Theo cantava várias partes de músicas, frases inteiras. Já com a intervenção, acabou perdendo a pouca fala que tinha – e que, raramente, foi funcional. Contei um pouco da história da montanha russa da fala dele neste post AQUI.
Segundo uma estatística da Autism Speaks, 25% das crianças autistas são não verbais: não conseguem se comunicar usando a fala. A estatística é para os Estados Unidos, onde as crianças, em geral, são diagnosticadas mais cedo, têm intervenção precoce e de boa qualidade. O meu feeling é de que este número de autistas não verbais no Brasil é maior. No nosso país, o diagnóstico demora mais e nem sempre as crianças podem ter acesso a intervenções de qualidade, principalmente se dependerem do Estado.
A dificuldade de comunicação é um dos pilares do autismo e o atraso na fala da criança é um dos principais sintomas de que algo não vai bem.
Um dos motivos pelos quais muitas crianças autistas não falam é a apraxia. Esse assunto foi bem explorado neste post AQUI. Mas muita coisa ainda precisa ser descoberta sobre esse assunto.
Existem várias formas de estimular a fala da criança autista, mas nenhuma delas tem garantia de resultados. Nós, como pais, vamos continuar tentando até o fim. Enquanto isso, os meus aprendizados sobre o assunto, compartilho aqui:
É importante que não condicionemos nossa felicidade ao fato do nosso filho vir ou não a falar. Na verdade, a nossa felicidade não deve ser condicionada a nada. A hora de ser feliz é agora. (Se quiser ler mais sobre felicidade, clique AQUI).
Mais importante que falar é se comunicar. Theo cantava muito, mas não usava a fala de forma funcional. Não chamava “mamãe”, não pedia água, por exemplo.
Também é bom esquecermos algumas “vacas sagradas” do autismo. Por exemplo, aquele mito de que, se a criança não falar até os 5 anos, não fala mais. Já há vários casos por aí que desmentem isso.
A fala é algo muito mais complexo do que aparenta. É multifatorial. Pra começar, precisa de uma base. Basta você notar o processo pelo qual um bebê típico começa a falar. Primeiro, ele se comunica de forma não verbal usando o olhar e os gestos. Pela observação, começa a imitar. Emitindo alguns sons e tendo o retorno desejado, começa a se comunicar através da voz. Crianças autistas que ainda têm interação muito precária (portanto, não observam bem o outro) e não aprenderam a imitar bem não vão sair falando de uma hora para a outra. Da mesma forma, muitas crianças autistas têm falta de tônus muscular na região da boca e do rosto, e sem trabalhar esta parte motora, fica difícil produzir sons. Além disso, muitos autistas não verbais possuem apraxia de fala, condição que precisa de tratamento apropriado.
Existem crianças de 7, 8, 9 anos que não falam e não possuem outra forma de se comunicar. As queixas dos pais são frequentes: auto agressão, batem nos colegas, se jogam no chão. Mas como você se comportaria se não conseguisse comunicar aos outros o que quer ou o que sente? O que aprendi morando fora é que a comunicação alternativa deve ser iniciada o mais cedo possível. Isso ajuda a criança a entender a comunicação (e, por consequência, a querer se comunicar), dá a ela “uma voz”, muitas vezes, ajuda a fala a sair e diminui os comportamentos inadequados. O Theo tem se dado MUITO bem com o PECs. Falei disso AQUI.
Se, no futuro, a fala não sair de qualquer forma, a criança vai ter aprendido a se comunicar. Do PECS, ela pode passar para um aplicativo de comunicação assistida (como o Livox, por exemplo). Precisamos dar uma voz a nossos filhos! Precisamos, gente! Qualquer que seja ela!
Talvez pela questão do diagnóstico precoce, da intervenção de qualidade e do uso extensivo da comunicação assistida, nos Estados Unidos, vemos algo que ainda não acontece no Brasil: autistas não verbais têm blogs e são voz ativa na comunidade. Como exemplos, veja o Henry Frost, o Ido Kedar e a Amy Sequenzia. Eu vejo meu filho assim no futuro se ele não vier a falar, e já morro de orgulho dele! 🙂
Através da comunicação alternativa, tenho visto, finalmente, como o Theo pensa, como ele raciocina, como ele é inteligente. E, quando você lê textos de autistas não verbais, sente exatamente isso. Por esta razão, por favor, POR FAVOR, não fale na frente do seu filho como se ele não estivesse ali. Lembram da frase da minha amiga Claudia Zirbes? “Entre o que eles sabem e o que eles demonstram saber, existe um abismo”.
Autista não verbal tem retardamento mental? Ninguém ainda conseguiu me provar isso. É um assunto controverso, e a minha opinião é de que não existe um teste atual de QI que sirva para uma criança não verbal. Então, na falta da fala, presuma a competência. Acredite que ela entende, acredite que ela é inteligente e que é capaz. Sempre!
Pelo mesmo motivo, tenha um pouco de cuidado com o tipo de desabafo que faz na internet. Tenho lido muitas pessoas desabafando sobre a vida após o autismo sem pensar que ele faz parte de uma criança, e ela pode ler isso tudo no futuro e se sentir diminuída e culpada. Tenha um pouco de cuidado com o que escreve. O que colocamos na internet, fica lá.
Pra terminar, um exemplo fofo do Theo se comunicando com o PECs! <3
A video posted by Blog Materno | Andrea Werner (@lagartavirapupa) on Oct 22, 2015 at 2:06pm PDT
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