Eu acordo, vou ao banheiro, escovo meus dentes, lavo o rosto e troco a camisola por uma roupa. Faço tudo isso automaticamente, sem parar pra pensar, porque já são mais de 30 anos de aprendizado. Essas coisas banais que fazemos no automático – como tomar banho, trocar de roupa, calçar os sapatos – são o que a terapia ocupacional chama de “atividades da vida diária”. Ou AVDs, como já são conhecidas.
As AVDs podem parecer banais, mas são parte crucial da independência na vida adulta. Acontece que nossos filhos autistas muitas vezes apresentam dificuldades motoras, que complicam um pouco tarefas simples como colocar os sapatos. E o que nós fazemos? Sim, nós fazemos por eles. Muitas vezes. De muitas formas diferentes. Em várias atividades diferentes.
O problema disso é que eles vão crescendo. E vão se acostumando ao fato de que a mamãe está sempre ali pra calçar o sapato. O Theo, até o início do ano passado, sentava e esticava o pezão pra mim sempre que íamos sair. E eu, principalmente com a desculpa da pressa, ia colocando o sapato. Até que levei um baita puxão de orelha do tio Mark na escola. Quando ele me disse que o Theo se despia e se vestia sozinho na escola, inclusive os sapatos, eu quase caí pra trás. #menasmain
Foi aí que comecei a tentar ignorar a pressa e a deixar que ele fizesse essa tarefa. Até fiz um vídeo naquela época:
Ao chegar aqui em BH, levei outro puxão de orelha das novas terapeutas do Theo. Sim, o Theo já praticamente se veste sozinho e calça os sapatos. Mas eu continuava dando banho nele e escovando os dentes como se faz com um bebê. E uma das metas que elas colocaram foi justamente para que ele começasse a ser mais independente nas AVDs.
Não vou mentir pra vocês: é um saco. É MUITO chato. Mas precisa ser feito. TEM que ser feito. Porque não somos eternas. Eles precisam aprender a se virar sozinhos! E quanto mais empurrarmos com a barriga, mais acostumados eles ficam e mais difícil vai ser convencê-los a fazer sozinhos.
Então vamos lá. A primeira coisa a fazer é determinar metas. Vamos dizer que seu filho já se veste sozinho e você quer focar no banho. Então tá. Banho envolve várias tarefas pequenas, desde abrir o chuveiro até enxaguar o shampoo. Liste todas elas em uma folha ou planilha.
Hora do banho? Se o seu filho não fez aquela tarefa sozinho, dê uma dica verbal (“filho, passe o sabão na bucha”, por exemplo). Vale repetir se achou que ele não ouviu bem. Se mesmo assim ele não fizer, tente apontar. E se mesmo assim não for, use a sua mão para ajudá-lo. E vá anotando como ele se saiu em cada pedacinho do banho na planilha. Aqui está um exemplo simplificado (sem todas as tarefas) da planilha desenvolvida pela terapeuta ocupacional Analice Dutra Silveira, e que usamos aqui em casa.
A ideia é que você marque um X na coluna correspondente àquele dia: se ele não fez a atividade, se fez com ajuda ou se fez independente. E, obviamente, o objetivo é que a maioria dos X vá chegando pra direita, pro lado da independência, com o tempo.
Seu filho é visual? Uma coisa que pode ajudá-lo é colar a rotina do banho na parede! Aí ele não esquece quais partes precisa lavar. Aqui vai um exemplo (em inglês, mas fácil de entender pelas figuras):
Fonte: http://bit.ly/2lEr7nn
Usei o exemplo do banho, mas você pode fazer isso com todas as outras AVDs, desde se vestir até escovar os dentes. Divida em partes pequenas, vá aos poucos retirando o auxílio e siga o progresso do pequeno nas planilhas. Os recursos visuais também são adaptáveis a cada tarefa.
Sim, seu filho vai chiar e vai reclamar. Afinal, a mamata acabou. Ajude-o a tolerar essa frustração – afinal, isso também faz parte – e mostre que, agora, a rotina é assim. Ele vai aprender a fazer as coisas sozinho.
Algumas notas só pra acabar:
O recurso visual do banho não deu certo com o Theo…ele ficou confuso. Pra ele, é melhor eu ir falando mesmo. Mas ele já está quase tomando banho sozinho! Uma graça!!
Sou péssima pra lembrar de preencher planilhas! Ainda bem que as meninas do CEI, da equipe da Camila Gomes, não desistem de mim! 😀
Os protocolos de autocuidado completos são de autoria da TO Analice Dutra Silveira (que citei acima). Eles estão em processo de publicação e vão sair no Manual de Ensino de Habilidades de autocuidados, escrito por ela e pela psicóloga Camila Gomes.
Então, mãos à obra!
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