O ser humano quer ser querido, amado. Dependendo da sua idade, maturidade e até do tanto de terapia que fez na vida, o olhar do outro vai pesar menos ou mais sobre você. Devo dizer que já me preocupei mais com o que pensavam de mim. Melhorei muito nesse aspecto ao longo dos anos (e das terapias), mas também não posso dizer que não ligo a mínima para o julgamento alheio.
Tendo dito isto, um dos grandes incômodos para as mães e pais de autistas está no olhar recriminante das outras pessoas. Ele vem nos momentos em que nossos filhos demonstram comportamentos que, sem o devido conhecimento, são interpretados apenas como “birra” ou falta de limites.
Todo pai ou mãe de autista já passou por alguma dessas situações: filho cansado após algum tempo andando no shopping, entra em sobrecarga sensorial, começa a gritar e chorar e se joga no chão. Filho sentado na mesa do restaurante, não consegue comunicar com clareza que quer mais suco/bife/macarrão, e começa a chorar, arremessa objetos. E existem aquelas situações em que o caso nem é de escândalo, mas de falta de noção de regras sociais mesmo – como quando seu filho enfia a mão no prato de batatas fritas do vizinho de mesa.
Situações parecidas, reações diferentes: no início, principalmente, eu tentava resolver aquilo rápido justamente por vergonha dos olhares das pessoas. No fatídico caso da batata frita, eu até mandava super rápido um “desculpe, ele é autista”. Hoje em dia, nos casos de crise, eu realmente foco no meu filho, em fazê-lo melhorar e se regular novamente, e não estou nem aí (de verdade) se tem alguém olhando.
Mal educado ou autista?
Por causa desse tipo de situação, que acaba sendo frequente, alguns pais até fizeram camisetas com a frase “meu filho não é mal educado, é autista”. O recado é direto e certeiro. Acontece que crianças autistas têm dificuldades de aprendizado e dificuldades para entender regrinhas sociais (como aquela que diz que não se enfia a mão no prato do vizinho). Então, você, provavelmente, vai passar vergonha 99 vezes, repetindo sempre para o seu filho que “não se pega batata do prato de outra pessoa”, para que lá pela centésima vez ele, de fato, entenda e não faça mais. Não é à toa que paciência e persistência são motes de toda mãe e pai de autista!
Quanto às crises desencadeadas por frustração – coisa que autistas têm muita dificuldade em lidar – , sobrecarga sensorial ou dificuldades de comunicação, elas tendem a melhorar com o tempo aliado às intervenções e estratégias corretas. Histórias sociais que antecipam os passos da saída no shopping ou ao restaurante, comunicação alternativa, tudo isso entra na lista de coisinhas que vão ajudando nossos filhos, aos poucos, a diminuírem os momentos de crise e stress.
Enquanto isso, deixo alguns recados. Pra começar, foque no seu filho, e não nos outros. Procure entender o motivo da crise para poder acalmá-lo ao invés de focar em terminar com o barulho para que não incomode as pessoas.
Autista mal educado?
Em segundo lugar, não é porque seu filho é autista e tem dificuldades de aprendizado que você vai deixar ele bater no coleguinha do playground, chutar a cadeira do avião ou pegar a batata do prato alheio sem corrigi-lo. A criança autista é uma CRIANÇA, e também precisa de limites. A diferença é que vai ser mais difícil pra você colocar esses limites. Mas, se você não persistir, vai acabar ficando com um filho autista AND mal educado (sim, isso existe!).
Sim, também existem crianças mal educadas. Sem autismo nenhum no meio. E crianças mal educadas são filhas de pais que não educam. Simples assim. Quer um exemplo? Tivemos uma péssima viagem de avião do Brasil até Londres ontem. Para começar, o casal do banco de trás insistiu em acender aquela luz noturna quando todo o resto do avião dormia e acordou o Theo, que passou as 11 horas do voo noturno sem conseguir pegar no sono. Para terminar, o filho deles – um menino de, aparentemente, 4 anos de idade – passou a viagem inteira chutando a minha cadeira. Chutando MUITO a minha cadeira.
Só para deixar claro: Theo já chutou muito as cadeiras no avião. Hoje, ele não faz mais isso. Mas não faz porque repeti um milhão de vezes pra ele, de forma firme e até brava, que isso não se faz. Cheguei até a tirar o Ipad ou algum brinquedo que ele segurava como punição para esse tipo de comportamento. Fizemos até uma história social sobre isso pra ele. Então, o que me incomodou não foi a criança chutando a cadeira: foram os pais que em NENHUM momento chamaram a atenção dela.
Processo de educação
Para terminar, também existe aquela criança que não é autista e nem mal educada, mas está em “processo de educação”. Pode ser, inclusive, aquela que se joga no chão da loja de brinquedos gritando “EU QUEEEERO” enquanto a mãe a olha, aparentemente, impassível. Toda criança tem o momento em que resolve testar os limites dos pais. Se a mãe cede à birra para acabar logo com o escândalo e compra o brinquedo, a criança percebe que a tática funcionou e vai repeti-la. Se a mãe ignora ou simplesmente diz um “não” com firmeza – apesar do escândalo e dos olhares alheios – o comportamento tende a diminuir. Ou seja: aquela mãe que você olhou torto pode estar, justamente, educando o filho.
Então, vamos ter cuidado com os julgamentos. Mas também vamos nos esforçar para ensinar limites aos nossos filhos, sejam eles autistas ou não.
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Foto: Shutterstock
Eu só tenho uma dúvida. Autismo sempre existiu e só foi descoberto agora, ou antes não existia? Pq sou da época que crianças com dificuldade de aprendizado ou não, respeitavam até um olhar. É uma dúvida sincera, não é crítica ou cinismo.