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Desenvolvimento da criança autista e pílulas mágicas

Quando o Theo tinha quase 3 aninhos e era recém diagnosticado, conheci um garotinho autista mais ou menos da mesma idade, e aparentemente em mesmo nível de desenvolvimento, digamos assim. Eu e a mãe desse garotinho costumávamos compartilhar os ganhos. “Nesta semana o Theo falou ‘batata’!”. “Ah, que legal, o ‘fulaninho’ falou uma frase do Pocoyo!”. E assim seguíamos.

Até que, em um determinado momento, esse garotinho continuou em evolução rápida, desenvolvendo bastante a parte da linguagem, e o Theo teve sua regressão, perdendo todo o pouco que falava. Enquanto o outro garotinho confirmava seu prognóstico de “autista leve”, Theo descartava o seu. Caiu, ali, a ficha de que o autismo lá de casa era severo.

Mas o que a mãe desse garotinho teria feito de diferente? Pelo que eu me lembro de nossas conversas, NADA. Pra falar a verdade, Theo fazia até mais intervenções, e eu tinha deixado de trabalhar para acompanhá-lo mais de perto. Fica fácil entender a minha angústia com aquela percepção. Era aquele antigo “porquê” voltando à cabeça com toda a força. Foi aí o meu segundo luto, como já contei em outro post.

E, desde aquela época, o progresso do Theo tem sido “devagar e sempre”. Em vários momentos, achamos que a fala viria e não veio. Mas, enquanto isso, várias outras coisas foram melhorando: o comportamento, a resistência à frustração, o cognitivo, a concentração, a sociabilidade. A lista é grande.

Voltamos ao Brasil há quase 1 ano, após 3 anos vivendo no exterior. E, nesse ano, Theo teve, pela primeira vez, o que consideramos como “salto no desenvolvimento”. Começou a falar algumas sílabas (e palavras, mesmo com dificuldade), está muito mais calmo e feliz, motivado na escola, sendo alfabetizado, demonstrando total compreensão do entorno, brincando normalmente com outras crianças, sendo um grande companheiro.

E as perguntas que eu mais recebo no meu inbox são:

  1. “Qual medicação o Theo está tomando?”

  2. “O que ele está fazendo de terapia pra melhorar tanto?”

Voltando alguns meses, lá no início do ano, emagreci bastante. E, naquela época, a pergunta que eu mais recebia era “o que você fez pra emagrecer tanto??”. E minha resposta era bem direta: “fechei a boca e malhei muito”.


Esta reação aí de cima era a mais frequente. Quase um “ah, tá”. O que eu reparei é que, tanto no caso do emagrecimento quanto no caso da evolução do Theo, as pessoas esperam uma resposta inovadora, quase uma pílula mágica. “Tomei o remédio X”, ou “dei o remédio X”, “fiz a terapia Y, como você nunca ouviu falar??”.

É bom deixar claro que eu não teria problema nenhum em contar se o Theo estivesse tomando remédio. Já até contei quando tentamos, há 5 anos. Mas ele realmente não está.

Então, o que está acontecendo com o Theo? Três coisas, a meu ver. A primeira é que ele recebe intervenções desde que tinha 1 ano e 11 meses, quando recebeu o diagnóstico. Como será que ele estaria se não tivesse sido assim? O “conjunto da obra” com certeza deu resultados, mesmo que em um tempo diferente do que esperávamos.

A segunda se chama “volta ao Brasil”. No caso dele, vimos claramente que o idioma fez diferença. E voltar a conviver com crianças que falam português (e também terapeutas) tem ajudado na evolução da verbalização no caso dele. Ao mesmo tempo, tem uma influência do “conjunto da obra” aqui: muito do que o Theo tem alcançado no cognitivo começou a ser construído na escola da Suécia, inclusive a alfabetização.

Para encerrar, a terceira coisa se chama “cérebro do Theo”. Tem um mistério ali, naquela neurologia, que determina o ritmo de evolução dele e como ele vai reagir a cada intervenção. Da mesma forma, existe o “cérebro do Matheus”, o do Eduardo, o do Thiago. E, no caso do garotinho autista que eu contei lá no início do texto, provavelmente foi isso que fez a diferença, por mais que ele fizesse intervenções similares às do Theo.

Então, queridos, devemos sonhar, ter esperanças, mas com um dos pés sempre no chão. Pílula mágica não existe. Mas tem muita gente tentando vendê-la entre os pais com menos senso crítico ou menos informados. Tenhamos não só o senso crítico, mas também o bom senso. Tem coisas que simplesmente não têm como fazer bem aos nossos filhos!

Para terminar, uma boa forma de questionar os milagreiros é a seguinte. “Ah, o fulaninho usou o produto X e começou a olhar nos olhos e falar”. É mesmo? Quantos anos o fulaninho tem? Quantas intervenções ele faz? E há quanto tempo? ABA? Fono? TO? Como saber se o produto X é que fez o milagre?

Lembrem-se dessa coisa chamada “conjunto da obra”. Só isso aí já mata metade dos “milagres”.

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